Aproveitei que o Horácio explodiu e fiz uma triagem na quizumba de disquetes que adornavam a cama de meu querido computer. Achei fotos hilárias e este textículo aqui...Não lembro com certeza, mas acho que fui eu que o despejei, há uns três anos...O local descrito, pelo menos, é familiar. E dá saudade, apesar de tudo.
Redação
Cheiro de café, cigarro e chiclete. O frio do ar condicionado já conseguiu ressecar os cabelos de todas as mulheres, em sua maioria curtos – talvez pelo ar, talvez pela aparência na frente de possíveis câmeras.
Logo à entrada, já uma televisão barulhenta, ligada 24 horas na GloboNews. À esquerda estão os computadores, enfileirados como vítimas no corredor da morte: já sem vida antes de perdê-la (jornalistas juram que suas máquinas vivem, estão de mau-humor, são temperamentais e até sofrem de TPM), todos na mesma cor, mudos, esgotados.
Algumas pessoas berram enquanto outras teclam desesperadamente, acreditando que do produto final dependem seus empregos e, por conseguinte, suas vidas. A bacana da ponta deve ser chefe: a cada hora chama um coitado para prestar satisfações. Às vezes, uma gargalhada descontrai o ambiente, alguém faz uma brincadeira, mas é sabido que por dentro os estômagos não se riem. Talvez aqueles que têm certeza da boa matéria que têm em mãos, da boa pauta que lhes coube para o dia seguinte ou do novo emprego que lhes espera sorriam com certa sinceridade, bem provável que por alívio. Parece haver dois telefones para cada pessoa, e todos tocam ou são usados simultaneamente – raramente com discrição e tom de voz moderado.
É impossível não decorar a vinheta da rádio CBN, os nomes dos repórteres e locutores. No canto direito da grande sala, ao lado de uma poltrona vermelha, outra televisão varia entre Globo, RedeTV!, SBT, Record e até CNN. Ninguém nunca deve ter se apercebido daquela solitária caixa de imagens coloridas, a figura mais inerte da sala onde até o chão parece mover-se. Por cima das mesas, papéis sem rumo, agendas – quase periodicamente alguém urra “Cadê minha ageeenda?” – jornais e revistas de todos os tipos, formatos e origens. O local mais democrático é a superfície da grande mesa de cor crua que divide a redação, tendo do lado direito contato direto com redatores e dois editores, e do esquerdo interagindo – objetos de jornalistas são um prato cheio para as prosopopéias – com repórteres e estagiários subaproveitados e superexplorados. Em cima dela, Caras se misturam a Bundas, Caros Amigos a Chiques e Famosos e Folha de São Paulo a O Povo. As pessoas não falam umas com as outras do que não seja trabalho, problemas, reclamações. Cenário dantesco, surreal, uma verdadeira Guernica. Mas ninguém sai porque, do lado de fora, a fila para entrar, se existisse, seria capaz de dobrar a esquina.
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