O cocô das antropólogas
Estava prestes a começar uma aula de duas horas e 40 de duração. Por motivos óbvios, resolvi antes enfrentar o Terrível Toalete da Uerj. Como de praxe, havia papel em todos os lugares, menos nos rolos. As tampas quebradas e imundas condiziam com as paredes rabiscadas.
Desci para tentar o do 8º andar - quem sabe as economistas não são mais limpinhas do que as historiadoras e filósofas? Por sorte, dei de cara com a moça que havia acabado de limpar o banheiro. Ela me encarou, eu sorri e ela desviou o olhar para o nada. Entrei. Um papel colado à parede com um pedaço de durex trazia o recado em pilot roxo fresquinho:
"MENINAS,
Por favor, colaborem comigo na limpeza do banheiro. Por favor, não joguem papel no chão.
Muito obrigada!
Que Deus as abençôe!"
O banheiro estava habitável e o papel higiênico nos devidos lugares, mas eu e a autora do bilhete tínhamos a certeza de que, em algumas horas, tudo voltaria ao que era antes: o caos da imundície resultante de pura falta de educação.
Reparar nessas coisas é mais um traço de chatice da minha personalidade. Quando era pequena, eu tinha vontade de conversar com aquelas senhoras do banheiro do Rio Sul, mas na maioria das vezes não o fazia por pura vergonha. Timidez também, mas uma certa vergonha de estar lá, empetecada com a mamãe, carregando uma sacolinha de presente, enquanto aquela senhora gorducha enfrentava o tédio com o esfregão.
Mais tarde, passei a reparar nas moças dos banheiros das boates. Algumas dormiam sentadas, enquanto adolescentes mimadas vomitavam, fumavam e passavam batom, sempre falando de homens ou fofocando. Sentia-me mal nesses banheiros, mas não sabia bem por quê. Achava aquilo tudo um contra-senso.
Vez por outra conversava com elas. Uma, em Curitiba, me contou que ganhava um salário mínimo e meio e tinha outro emprego à tarde. Ficou perceptivelmente feliz em conversar com alguém e disse que, no início, ajudava as meninas que passavam mal. Depois, de tanto limpar vômitos dourados, desistiu. Assumiu seu papel de invisível, sentadinha na cadeira vermelha ouvindo gargalhadas e descargas, catando papéis e pontas de cigarro no chão, enxugando a pia.
Estou cansada de ver pessoas que não prestam atenção nessas coisas. Estou cansada de ver Audis, Vectras, Fuscas e Fiats 147 deixando papéis e restos de comida voarem pela janela. Custa não jogar o embrulho da bala no chão? Custa catar os pacotes de biscoito Globo e copos de mate - e canudos, que mesmo os educadinhos deixam para trás - na praia? Custa, pelamordedeus, puxar a descarga e jogar o papel no lixo em qualquer banheiro como se fosse o de casa??
Acontece que muita gente não se toca ou não liga para o fato de que sempre existe um pobre corno para limpar a porcalhada alheia. É como a madame que, sabendo que amanhã tem faxina, não se interessa em jogar o papelzinho no lixo ou catar as unhas e cutículas que caíram no chão. É trabalho da empregada, claro.
Então, sempre que vejo um banheiro público, imagino que algum ser humano ganha um salário miserável para mantê-lo freqüentável para que os vândalos voltem a emporcalhá-lo. Cuido como se fosse o da minha casa. Limpar banheiros é algo que nós, burguesinhos metidos a besta, não valorizamos como um trabalho digno. Talvez por isso mesmo tenhamos em nosso inconsciente um mecanismo de desprezo pelos mais singelos atos de um cidadão educado, como jogar papel no lixo, catar os guardanapos que caíram no chão, mirar com capricho no vaso sanitário e puxar a bendita descarga. As meninas sociólogas e antropólogas da Uerj, por exemplo, que defecam sabedoria e jogam o papel imundo de suas letradas fezes no chão, deveriam ter umas aulinhas com a dona que lhes deixou o educado bilhete na parede.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente aqui. Com educação, por favor.