domingo, outubro 31, 2004

Antes do pôr-do-sol

22h. Pus a camisola e andei um pouco pela casa, meio sem saber para onde ir. Tomei um copo de suco de abacaxi, sem perceber; penteei o cabelo, cumpri os rituais. Mas minha cabeça explodia. Eu queria escrever, escrever, conversar, ver mais uns três filmes, entender. Não que me identificasse com os personagens - nunca passei uma tarde em Paris, nunca tive um "one night stand". Não defendo o meio ambiente, não escrevi um livro, não tenho 32 anos nem um casamento infeliz. Em hipótese alguma poderia concretamente me identificar com a vida daquelas duas pessoas fictícias. Ao mesmo tempo eu me via na tela - não em uma frase ou um assunto, mas como se o fio daquela pequena história fosse também o meu. No fundo, assim como aquele quase-casal, eu percebi que jamais compreenderia coisa alguma. E isso me colocava num estado de êxtase profundo, como numa libertação, algo que gerava um alívio. A partir daquele momento eu podia fazer tudo, criar, criar, criar tudo. Mas rapidamente o momento passava e lá eu estava novamente, questionando o destino, pensando no passado e em todas as coincidências e acontecimentos improváveis que haviam me levado até ali, até aquele perfeito novo momento. E eu não sabia mais exatamente o que queria criar.
Quando dei por mim já estava especulando novamente sobre Deus, o sentido da vida, o que faço nesse planeta e outras questões nada originais ou respondíveis. Ou então constatando como o Ethan Hawke - paixão platônica desde "Viagem ao mundo dos sonhos", que ele fez com River Phoenix - envelheceu e a Julie Delpy está mais magra. No primeiro a achei feinha, o Ethan lindo, o filme "fofo", e fiquei com raiva do fim indefinido. Hoje vi em tudo uma grande viagem existencial, tive vontade de morar em Paris e xinguei a Uma Thurman. Daqui a outros nove anos terei 33 e imagino que meus julgamentos serão bem diferentes. Ou melhor, espero entrar novamente num arrebatamento insano, mas com questionamentos talvez um pouco rasos e certamente definíveis. Ou, ainda, espero ter achado o filme não mais que "bonitinho" ou "interessante". Espero, como a maioria das pessoas comuns, torcer por um final convencional, com os dois juntos. Mas hoje, enquanto tomava meu suco de abacaxi, eu pensava, imbecil e romanticamente, que aquela só seria uma história de amor se eles jamais resolvessem ficar juntos, e logo depois cunhava sem querer mais uma frase pronta estúpida: O romantismo é a melhor imbecilidade que existe. De qualquer forma, aquela história não tinha absolutamente nada a ver com a minha vida - mas mesmo assim me incomodava. Como se através dela, finalmente, e mesmo que por um instante, eu pudesse ver que todas as coisas que eu quero não têm a menor importância e que o melhor seria viver naquele tal êxtase profundo, aquele desejo de escrever, conversar, criar, entender. Por mais que isso não levasse a nada e no fim da noite eu não soubesse nem a razão da minha insônia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente aqui. Com educação, por favor.