terça-feira, junho 08, 2004

Acordei na selva

Nunca fui uma pessoa muito ligada, muito perceptiva quanto à má-fé alheia. Sempre foi meio fácil se aproximar de mim e me explorar, me desejar o mal, tentar me prejudicar. Além de eu ser meio inocente demais, isso era também fruto de uma escolha minha. Por mais estranho que pareça, eu preferia correr o risco de ser magoada e traída do que viver com o pé atrás, desconfiando de tudo e de todos.

Com o tempo a gente endurece. A ternura continua lá, meio soterrada pelas decepções, mas o coração enrijece mesmo, se a gente não prestar atenção. No caminho, vamos encontrando pessoas invejosas, que torcem para que tudo dê errado para os outros, mesmo que nada disso vá melhorar suas próprias vidas. Particularmente, eu acredito que haja mais pessoas boas em geral do que más; porém, mesmo as boas têm seus momentos cruéis, enchem a boca para dizer "bem-feito", desejam que a outra, amiga ou não, se ferre. A natureza humana tem dessas coisas, todo mundo sabe. A diferença é que alguns lutam contra esses sentimentos vis, se policiam para não falar mal dos outros, tentam enxergar qualidades nos fulanos mais babacas que existem.

Sempre tentei ser assim. Desde o não falar palavrão até o não falar mal dos outros, não julgar ninguém como burro, feio, insuportável. Mas cada vez mais eu sinto que estou enfraquecendo. Estou mais suscetível à maldade alheia, quase acredito em mau-olhado e vibrações negativas. Começo a perceber quando a moça na sala de aula me olha com uma ponta de despeito, quando o cara responde todas as perguntas para se sentir melhor do que os outros, quando a senhora esconde de quem chegou atrasado a matéria que já foi dada. Às vezes até chego a sacar, ou pensar que saco, que alguma pessoa "tem algo de estranho" quando olho nos seus olhos pela primeira vez (como tenho a pachorra de julgar alguém em nome de um "sexto sentido"?). Acho que estou perdendo de vez aquela inocência que fazia de mim uma pessoa não necessariamente boba, mas boa.

Muitos me dizem que isso é ótimo, que assim eu me protejo, afasto o lado negro da Força e sigo minha vida sem ser prejudicada pelos outros. Mas eu preferiria voltar a ser como antes e crer na bondade de todas as pessoas, acreditar que algo nelas ainda pode ser mudado, que deve haver motivos para alguém agir de modo condenável e que minha missão é entender e tentar ajudar. Só conheci quatro seres puros assim: minha avó Olympia, minha amiga Ana Paula Platz, meu pai e meu namorado - estes dois já um pouco endurecidos pela vida, por mais que concordem comigo em teoria.

Queria voltar ao ponto de partida. Eu seria passada para trás e veria pessoas triunfando às minhas custas, mas não viveria enxergando as possibilidades de perigo, de inveja e de maldade em cada novo par de olhos que encaro.

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