sábado, maio 15, 2004

Telefone

- Quando te conheci, pensei que você fosse uma patricinha. Sabe, aquele tipo inacessível para mim. Jamais seria minha amiga, e por motivos recíprocos.

- Algumas pessoas me acham metida à primeira vista. E antigamente muitos me confundiam com patricinha. Eu era loura, meio malhada, gostava de sair...Mas era quietinha e nada paty.

- Eu sei. Depois percebi. Você deve ser o tipo ideal de alguns caras. Cara de patricinha, simpática, mas com ar levemente esnobe, cérebro de quem gosta de Humanas, carioca da Zona Sul, ex-atleta. Uau.

- Bobo.

- Eu tenho uma queda por mulheres da área de Humanas, antropólogas, historiadoras, psicanalistas, sei lá, não tem nada mais sexy do que uma mulher inteligente. Mas acho que as patricinhas têm um quê de fascinante que não sabem explorar. O XY não suporta aquelas patricinhas que não assumem que o são, aquelas que se fazem de não-patricinhas superinteligentes.

- Ele abomina aquelas patys Espaço Unibanco...

- Exatamente. Mas eu acho que elas são mais acessíveis do que as patricinhas autênticas. Sabe, você leu livros sobre impressionismo, a cultura no século XIX, Ianomâmis e grafiteiros cool de Nova Iorque - além de coisas como Fante, Bukowski e o último do Chico. E você sabe onde ficam uns sebos de livros e LPs no Centro e em Botafogo. Aí você está comendo pão de queijo no Espaço Unibanco e puxa um papo na fila para ver um filme do Rohmer. Você pode falar sobre o período greco-romano, Fellini, Kubrick, a concessão enfitêutica no período feudal, iluminismo, Warhol e Duchamp. Fica implícito que você odeia o Paulo Coelho. E ela nunca vai descobrir que você jamais leu um pensador. Se desconfiar, você diz que achou melhor não ler para não prejudicar sua terapia existencial.

- Boa.

- Mas eu sempre quis sair com uma loura de academia. Consegui outro dia, conheci pela internet. Sabe como é, ela falava tipo assim, mas eu queria saber como uma loura malhada beijava. Deu pra rolar um arremedo de fantasia.

- Haha. Você não existe...

- As pessoas é que são muito malucas. Um dia um mórmon me abordou. Ele perguntou se eu tinha religião e eu disse que era católico apostólico romano. Perguntou se eu lia a Bíblia, e eu respondi que minha mãe lia o suficiente por mim, mas que eu era praticante. Ele quis me dar uns papeizinhos e me convencer de que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias era a melhor para mim. Eu disse que até gostaria de saber mais sobre o assunto e apreciava a abordagem, mas que não poderia aceitar impressos fora da minha religião. Coisa de quem fez desenho industrial, essa minha resposta, "impressos fora da minha religião". Eu também já fiz muitas coisas estranhas.

- Imagino.

- Fui uma vez à Vila Mimosa. Quatro vezes, na verdade. Fomos lá, bebemos cerveja e olhamos as moças de fino trato. Fiquei apavorado. É uma mistura de camelô, "Cidade de Deus", menininhas do interior, feira de São Cristóvão, filmes brasileiros daqueles antigos, cheios de barangas peladas, tudo em corredores e galerias surreais. Fiquei apavorado. Tinha criaturas que eu não sabia que podiam existir. Ao mesmo tempo, uma mistura de mulheres bonitas e outras horrorosas. E todas faziam sucesso. Bem, sei lá o que é sucesso nesse caso. Uma garçonete, entre aspas, usava uma roupa, entre aspas, que só tapava a barriga. É um lugar pra você ir com os amigos, beber, rir, e, quem sabe, algo mais. O pavor passa. É bem interessante.

- Imagino.


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