quinta-feira, abril 29, 2004

Agora

Estou querendo parar de defender bandeiras sem mastro, de me agarrar a nuvens, de viver metade no pretérito, metade no devir, de acreditar na solidez do que desmancha no ar. Às vezes eu acho que deveria ser uma burocrata, engenheira, mestra em ciências atuariais, fazer aquelas coisas que são assim: PÁ-PUM, e pronto. Mas eu preciso de paragens loucas, decisões etéreas, vastas dúvidas. Preciso pensar como se pudesse interpretar cada detalhe do mundo de forma original ou pelo menos distorcida. Preciso agir como o demiurgo no princípio, quando era o caos, e organizar tudo do meu jeito desorganizado, descansando ao cabo de sete dias. Porém, sou preguiçosa demais para criar um mundo direitinho, e por isso paro no meio, deixo lacunas em minhas histórias, desejos, convicções.

É por isso que, em vez de sair por aí trabalhando, ganhando dinheiro, sendo uma grande empreendedora, pioneira de alguma coisa, eu passo o tempo discutindo o sexo dos anjos. Isso é bom, mas cansa.

Desta vez estou tentando ter uma atitude pragmática, não questionar tanto meus rumos, desromancear a vida. Calcular e cumprir metas, eis o verdadeiro caminho. Estou praticamente me transformando numa multinacional.

Vou deixar de colher as sinecuras da vida lírica que gostaria de ter para angariar as benesses do imediatismo, da vida orçada e dividida em percentuais. Saio da floresta de celofane para entrar no mundo desencantado do Excel. Diminuo os livros e compro apostilas. Troco o sangue-de-boi do pé-sujo na Rua de Santanna pela água mineral no horário marcado na academia. Ignoro meus acessos de alma hipocondríaca e troco a irascibilidade criativa pelo cálculo frio. Deixo o liberalismo pela economia planificada. Em lugar da taquifagia ambiciosa, dos delírios intelectualóides, absorverei números e frases das engrenagens burocráticas.
A beleza da inconseqüência, afinal, tem prazo de validade.

Só agora percebi o quanto de tautologia havia na minha vida. Sempre que chegava perto, o que eu queria era exatamente o que mais me escapava. Esse suplício de Tântalo vai ter que acabar. Qualquer coisa que me dê lucro será devidamente desvinculada daquelas várias outras coisas que me alentam. O que mais quero, o que mais gosto, virará o prazer pelo prazer. Êxtase dionisíaco, só nas horas vagas, em aulas, leituras, poesias, estudos e elucubrações diletantes. De resto, serei autômato.

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