Uninvited
Eu venho guardando minhas autocaricaturas aqui dentro. Eu venho sufocando meus macaquinhos no sótão, emudecendo meus bichos, espancando minhas espúrias verdades como uma carrasca ímpia. Porque eu posso parecer sã, mas não sou não.
Venho escravizando minhas opiniões para me tornar um incrível autômato. Venho solapando meu id e prometendo que, in diem, ele vai se soltar das correntes. O superego é meu deus, um deusinho cínico e cheio de pudores. Um deus sem graça, pífio.
Vou deixando que a amargura tome conta de mim, enquanto permito que minha vida seja regida pelos valores dos outros, os outros que me dizem como sou e como deveria ser. Mas só percebo isso à noite, quando me viro do avesso. Na manhã seguinte o encanto se quebra e retorno à estaca zero, escondo o ogro debaixo do tapete e volto a me sentir como se eu, a dona da festa, tivesse esquecido de me convidar.
Eu venho tendo vontade de dizer umas verdades, de não pedir desculpas quando acredito que estou certa, de não tentar ajudar quem não faz por onde merecer minha ajuda. Às vezes eu quero ser canalha.
Venho querendo, há tempos, estourar uma garrafa de champanhe e torcer para que a rolha deixe um olho roxo naquela criatura que tem cara de quem precisa de um olho roxo. Venho querendo explicar que tudo isso aqui é pura paz armada, a Pax Renatiana que é apenas um artificial momento entre duas guerras, entre várias guerras. Tenho tido vontade de anunciar que quem não está comigo, está contra mim, porque Renata, a Maniqueísta, é uma superpotência. Às vezes eu quero ser arrogante.
Há tempos eu planejo me perder, tomar um ônibus e sair por aí, conhecendo o Rio de Janeiro e seus riquíssimos exemplares humanos. Mas sempre me encontro quando estou quase me perdendo, sempre dou de cara com alguém tão sensato quanto irritante.
Venho tentando deixar de lutar contra a mediocridade, assumir minha frivolidade até que alguém me conte que, sim, eu vou morrer. Assim como vocês, cujos olhos me dizem quem sou e o quanto estou errada em ser quem sou. Sou um autóctone, e vocês, os colonizadores.
Ando escondendo minha aspiração de reduzir ao absurdo qualquer premissa que vá contra o que quer que eu esteja venerando no momento. Insisto em falar por metáforas, quando no meu pensamento, sadio até a raiz, nenhuma analogia é admissível. Minha verdadeira náusea é a certeza de que a existência, essa palavra que devia vir entre aspas, não é gratuita. Os limites da minha linguagem e visão são os limites do meu mundo. Um mundo pobre, mas feliz em seu próprio engodo. E, por isso, mesmo que vocês não tenham entendido nada, eu não vou explicar de novo e vou continuar a sufocar, um a um, os macaquinhos no meu sótão.
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