Pedras no espelho
Desejava ser vista, mas não queria ver: era uma voyeur às avessas. Era mais fácil que outros lhe apontassem seus defeitos do que se ela mesma os enxergasse. Assim, tentaria corresponder a expectativas alheias – e pensar no alheio era-lhe simples. Doloroso seria conceber a si mesma; era uma metalinguagem para a qual não estava pronta, e talvez jamais ficasse. Os outros não tinham nada de metafísico: apenas corpos e mentes, mais nada. E os corpos andavam e as mentes pensavam, mas não podiam invadi-la. Era forte com os outros, mulher demarcada, de fronteiras protegidas por soldados espartanos invisíveis. Ela era um feudo.
Dentro de seu território, a metamorfose era sempre algo dolorido. Às vezes sonhava que o Vesúvio entrara em erupção e ela era ao mesmo tempo Pompéia e Herculano. Como seria mais simples ser petrificada ad eternum....Pedras são simples, pensava, ao acordar do sonho. Pedras não sonham, não pensam, não têm câncer nem perdem pedras queridas. Pedras não fazem escolhas. Os outros são pedregulhos que jogarei ao mar, um a um, até que se esgotem, decidiu. E eu - eu que não vejo - já nem lembro o que gostava de pensar que seria. E nessa noite quebrou todos os espelhos.
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