sexta-feira, março 14, 2003

Apenas um soneto vazio

Gostaria de fazer jus a um poema de Pessoa. Hora Absurda eu seria; um poema inconjunto, uma ficção do interlúdio, e cantaria o mar em que jaz a saudade dada, o Pierrot Bêbado ou Qualquer Música. Teria em mim aves cheias de abismo, e Grandes Mistérios habitariam o limiar do meu ser. Saberia que minha alma não tem alma, e se existo é um erro eu o saber. Em pura Abdicação, despiria a realeza, corpo e alma, e regressaria à noite antiga e calma. Fingiria que é dor a dor que deveras sinto. Faria minha Autopsicografia; seria inteira, Para Ser Grande, e sorriria com o dono da Tabacaria.
Em vez disso, faço jus a um soneto de Vinícius, belíssimo e amado poetinha, que a mim dedicou este: o Soneto da Mulher Inútil. Mas, se o luar através dos altos ramos não é mais que o luar através dos altos ramos, por que não poderia ser eu nada mais que o Último Sortilégio: uma breve mulher que merece um soneto só para ela, Mulher Inútil de corpo nem tão leve como plumas, nem com tanta graça, de braços nem tão finos como lírios, mas passível de ser levantada por um suspiro.


***

“Hoje sou a saudade imperial
Do que já na distância de mim vi...
Eu próprio sou aquilo que perdi...”
F.P.

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