segunda-feira, janeiro 20, 2003

O santo, as pernas, a pena e a estrela

Para o resto do Brasil o dia 20 de janeiro é um dia qualquer. Para o Rio, não. O dia de São Sebastião, padroeiro da cidade, é tão simbólico que muitas vezes chega a ser confundido com a data de fundação. Na verdade, o aniversário do Rio é comemorado no dia 1º de março. Mas o feriado é no dia 20.

Triste para todos nós cariocas que tenha sido num dia 20, como hoje, que uma figura carioquíssima nos tenha abandonado. Faz vinte anos que Garrincha morreu. Vítima do álcool, da ganância dos cartolas, da falta de ética, da falta de respeito. Folclórico, genial, necessário. Foi num dia 20 de janeiro. Pela televisão, de longe, assistia a multidão acompanhando a lenda. Lembro que meu pai contava quantas vezes tinha pulado os muros do Maracanã para ver o Mané jogar. Eu, criança, nunca tinha visto. O mito era o único motivo pelo qual eu tentava entender porque meu pai havia escolhido um time que completava quinze anos sem um título para torcer.

Não segui os passos do meu pai mas, mesmo sem conhecer Garrincha, fiquei com a mais pura das lembranças, a que não admite erros, a que não vê as jogadas que não deram certo. A lembrança do videoteipe.

Quis alguém ou alguma força além da nossa compreensão que, vinte anos depois, lamentássemos a perda de mais uma figura carioquíssima. Foi num dia 20 de janeiro a despedida de Oldemário Touguinhó. Hoje. Eu, ainda foca, recém-formado, conheci o Oldemário cobrindo a seleção brasileira. Eu na seleção! Era assustador. E diante de mim uma outra lenda. Esta do jornalismo esportivo. O cara que metia medo na concorrência. O dono das melhores fontes, um contador de histórias. Conversava com os mais jovens sem soberba. Sabia que estava nos ensinando e gostava disso.

Dois ou três anos depois, reencontrei o Oldemário na CBF. Debilitado por um derrame, muito magro, falando frases sem nexo e, ainda assim, merecendo todo o nosso respeito e admiração. Até o fim da vida não abandonou sua coluna no JB. Se de sua pena não saíam mais as palavras, duvido que ele não desse os palpites aos redatores. Duvido que não se preocupasse com tudo. Duvido que tivesse perdido o prazer de escrever.

Dia 20 de janeiro. O repórter e seu ídolo se reencontram em algum campinho de pelada na periferia de São Pedro. E São Sebastião, por favor, não sinta ciúmes. O anjo das pernas tortas e o anjo das penas exatas sempre souberam amá-lo pelo amor que tinham a sua cidade. Uma cidade que fica triste sem eles mas ainda é a capital brasileira do prazer. Do prazer de driblar, do prazer de informar, do prazer de viver.

Rio que torce, de verdade, para que a estrela que Mané levou no peito, a estrela que encantou Oldemário, a estrela que fez do meu pai um botafoguense volte a brilhar. Solitária. Como todos nós nos sentimos sem eles.


elucubrado por Carlos Gil