quarta-feira, dezembro 04, 2002

Deserto, Oásis e Clarice Lispector

Leio o “Segundo Caderno”, agora que você já deve estar no 27o sono. A matéria de capa: Novo autor para ‘Esperança’. Novela no Segundo Caderno é brincadeira, dá nojo. Pra que serve a Revista da TV? Ainda bem que tinha Jabor (de vez em quando é ‘ainda bem’, às vezes é ‘que babaca esse cineasta-que-não-faz-filme’) e Clarice Lispector.

O texto do Jabor fez com que me sentisse uma mulher normal, real mas desejável, com uns defeitos de fabricação e outros adquiridos por excesso de uso da vida. E à espera de muitos defeitos que hão de vir com a lei da gravidade e outras leis injustamente irrevogáveis (como a manjada que diz que “o homem envelhece e a mulher apodrece”).

Daniela Cicarelli é o caramba (meu lema é contundência com o máximo de delicadeza). Quem dera, sim, quem dera. É preferível pensar que ela deve ser um tapir de muito boa plástica, que a Gisele concorda com a Suzana Werner que a Divina Comédia é muito engraçada, que a Luize Altenhofen não sabe calcular 10% de 100, adora massã e não leu nem O Pequeno Príncipe. Mas nem que isso tudo fosse verdade, talvez eu, fútil enrustida, ex-lourinha dona de 11 Barbies, quem sabe até uma wanna-be-a-model encubada, ciclicamente insatisfeita dos pés à cabeça – talvez eu trocasse meu solitário neurônio por qualquer coisa de Gisele, Luize, Cicarelli. (Mas que a história da Suzana é verdade, isso é...).

Clarice. Além de bonita, elegante e todas essas frescuras, sabemos que era uma maga da palavra sentida e cifrada, introspectada, a palavra parida e iluminada por dentro pela idéia e pelo sentimento. Sua correspondência agora é publicada sem glamour. Pois a mítica e orgânica Clarice também tinha algo a compartilhar com a vil mortalidade, também era objetiva, informativa, com um quê de comum, mesmo sem ser trivial. Freqüentava festas, lojas, salões, ficava de mau humor, era insegura, provavelmente tinha TPM!!! Era pessoa. Dá esperanças porque o caminho contrário também pode ser percorrido. Talvez eu, prosaica, crua, banal, seja capaz de alcançar a diferença, a criatividade, a polissemia, o algo a dizer e fazer pelo mundo ou por alguém. Talvez seja capaz de um dia ser um pouco Clarice – e isso muito me satisfaz. Mesmo que saiba que jamais serei um tiquinho de Cicarelli ou Altenhofen ou Bündchen.

Mas querem me convencer que nada disso importa. Que a Cicarelli não tem TPM, não precisa se depilar, nunca teve um pêlo encravado. Que a Altenhofen não pinta o cabelo e está sempre disposta a satisfazer com prazer verdadeiro qualquer fantasia masculina. Que a Gisele come chocolate e big mac todo dia e nunca malhou, e também não faz questão de “discutir a relação” e ser pirracenta de vez em quando. Que elas são o que são, simplesmente porque o são, e o resto que se lasque tentando ser que nem elas e comprando havaiana Ipanema pra andar em Hollywood. Sou mais a Clarice, mesmo que também ela esteja muito distante da minha realidade.

>>>Alguns irão dizer que não devia reclamar tanto porque não sou feia. Não se trata de feiúra, de ser bonitinha ou um tribufu – trata-se da venda frenética da miragem da perfeição. Tenho minhas fases deserto, enquanto elas - ou as imagens delas – serão sempre oásis.
Mas o deserto é palpável – bingo!

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