Aproveite a vida, peça demissão (e me dê sua vaga)
Eu, enquanto pessoa-estudante, mulher, desempregada, branca e tipoassim moradora da Zona Sul do Rio, tenho inúmeras reclamações a fazer sobre a sociedade cruel, preconceituosa, viciada, corrupta, conformista e injusta em que vivemos. Mas como já critico tudo isso quase diariamente, hoje estou meio Pollyanna e prefiro ver o lado bom de estar engrossando as estatísticas do desemprego entre jovens educados e capacitados a mudar o Brasil. Por agora, aproveito minha condição de aprendiz de Especialista em Recolhimento de Contribuições Espontâneas (mendiga) para viver a vida como ela é – boa quando se está à toa. Afinal, há coisas que vocês, com-emprego, não podem fazer como nós, os sem-emprego....Alguns exemplos:
- Ir à praia na segunda à tarde: melhor maneira de começar a semana;
- Ver um filme do Almodóvar em plena quarta-feira, às 14h15;
- Ver o sol se pôr num dia de semana e ouvir a música "Epitáfio" sem culpa;
- Ler o Boa Chance aos domingos, de cabo a rabo, cabeça pra baixo, nas entrelinhas;
- Não achar um emprego no Boa Chance, mas se divertir com os anúncios de acompanhantes exóticas (começo a considerar a hipótese, hehehe);
- Entrar no site da Folha Dirigida todo dia e saber até o número de vagas para auxiliar de enfermagem em Petrópolis;
- Ir pra night quinta e não ter que esperar até sábado pra dar aquela dormidinha à tarde;
- Ler o jornal inteiro, até o Informática Etc e a coluna da Mara Caballero no Ela, mais três livros ao mesmo tempo – incluindo aquele de poesias da Gilka Machado todo mofado que estava enterrado na estante -, além de bulas de remédio e qualquer coisa escrita ou criptografada que lhe caia à mão;
- Saber o que realmente faz à tarde sua coroa aposentada que sempre se diz “superocupada”;
- Exercer sua criatividade e se expor ao ridículo em um blog imbecil;
- Organizar suas fotos/cartas/calcinhas/brincos/meias/whatever;
- Ir ao dentista, dermatologista, ginecologista e todos os istas que não iria se estivesse trabalhando;
- Ouvir a amiga jornalista dizer que domingo vai ao Rio Sul comprar sutiã porque não consegue durante a semana, e pensar: “Posso comprar sutiãs de segunda a sexta, em horário comercial” (apesar de não poder afford nem um mísero Valisère, quanto mais os absolutamente indispensáveis Victoria’s Secret);
- Malhar, malhar, malhar;
- Não malhar - por pura preguiça, não por falta de tempo;
- Saber que não vai assistir “Curtindo a vida adoidado”, “Admiradora secreta” ou “Free Willy” na sessão da tarde, seguido de Malhação ou Barrados no Baile, simplesmente porque não quer – já que, se quisesse, poderia;
- Ir ao Largo do Boticário, Museu de Arte Naïf, Clan Café, Bica da Rainha e outros lugares interessantes do bairro, onde não iria se estivesse “no mercado”;
- Ligar pro seu gatinho no meio da tarde, sem pressa, sem chefe olhando, para interromper a crise de self pity com declarações românticas/picantes;
- Ligar pras melhores amigas, no meio da tarde, só pra dar uma fofocada;
- Ter acessos de Carpe Diem: apagar a luz, acender um incenso, umas velas cheirosas, colocar “Ária na Corda Sol” ou “Jesus Alegria dos Homens” e fazer alongamento pensando coisas sem sentido que levam a conclusões incríveis – tudo isso às três da tarde;
- Fazer planos para escrever um livro de contos, um de poesias, um infantil, um romance, um de pesquisa sobre como a imprensa trata a questão da criminalidade nos centros urbanos, um da história do vôlei e mais outros 78 – e não escrever nenhum;
- Passar a tarde considerando os caminhos que sua vida pode tomar: voltar para a faculdade de História e esquecer o jornalismo; transferir para Letras e ser professora de Inglês; fazer concursos públicos até passar, para poder trabalhar seis horas por dia em qualquer muquifo e gastar o resto do tempo escrevendo idiotices no blog, estudando francês e fazendo cursos de ponto-cruz e culinária japonesa; parar de estudar completamente e voltar a jogar vôlei em algum time obscuro do interior de Sampa (já desisti ao começar a pensar na hipótese); ir lavar pratos em NY por um tempo, até achar um milionário imbecil disposto a se casar com você; fazer 37 plásticas e ingressar na indústria de filmes adultos; virar hippie e ir morar em Mauá, Ouro Preto ou São Tomé das Letras, vendendo bijouterias, escrevendo livros revolucionários ou até de auto-ajuda....são tantas opções!!;
- Perder tempo escrevendo uma lista inútil das maravilhas do desemprego, quando tudo o que quer na vida é arrumar um trampo;
- Fazer outro inútil como você perder tempo lendo essa lista (pior ainda se ele(a) não for inútil e tiver vários afazeres, mas mesmo assim tiver lido até o final. Está na hora de esse ser - você mesmo - reconsiderar suas prioridades).
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