Conclusões de mesa de bar I – A intelectualidade é medíocre
O cenário: um barzinho agradável no Cosme Velho. Tons pastéis, velas na mesa, baldes de Bohemia semigelada e música de elevador na caixa.
Os personagens: uma mestranda em Psicanálise, uma mestranda em Antropologia, um professor de Educação Física que trabalha fora de sua área profissional, uma estudante de Jornalismo e várias outras criaturas interessantes, porém entretidas com outros assuntos.
O enredo: uma discussão intelectualóide sincera, sem pedantismos, mas transbordando de preconceitos, sobre o que a classe média realmente valoriza.
A questão última a que chegamos: quem, com formação intelectual semelhante à de que nós, ali presentes, dispusemos, aceitaria trabalhar como lixeiro por R$ 5 mil?
Ele disse que iria com certeza, sem pensar duas vezes, ou mesmo que pensasse dezoito vezes. Ela, a antropóloga – a psicanalista saiu do papo por motivos obscuros -, não iria. A estudante....”Pô, ia amarradona!” (...Pensando bem, não podemos colocar a opção de ser garçonete?)
A tese da antropóloga é de que nós, que viemos de um mesmo background, de um grupo que estudou nas “Edens” da vida (nosso colégio), que cresceu pseudopolitizado (ou, como concluído primeiramente sem pompa, politizado nãnãnã), sempre caindo pra esquerda, assistindo filmes cabeça, fazendo saraus de artes no Circo Voador, vendo professor de Geografia queimar bandeira dos EUA no pátio, votando no Lula uhuu! – nosso inferno e paraíso é o status, não o dinheiro.
Criticamos as(os) modelos porque elas(es) não estudam, ou pior: fizeram a opção por não estudar. Não interessa se ganham milhões e são felizes: não terminaram o segundo grau! E não vão para a faculdade! Achamos que ser garçom nos EUA por uns tempos tudo bem, atendente da Euro Disney tá valendo, mas garçom no Brasil é subemprego, atendente do Play Center nem pensar. Em parte, porque aqui se ganha uns R$ 200 ou 300 com esses empregos, e lá, mais de mil dólares, tá certo. Mas principalmente porque temos preconceitos arraigados, idéias tão internalizadas que nem nos damos conta da grande razão da vida que aprendemos a prezar: o status.
Nova questão: entremos no Espaço Unibanco de Cinema, Estação Botafogo ou redutos afins e perguntemos se alguém toparia recolher lixo oito horas por dia por R$ 5 mil.
Ele diz que sim, a maioria aceitaria. São cinco mil!
Achamos que não. Porque mesmo os que dissessem que sim, talvez na hora H voltassem atrás. E mais ainda porque boa parte dos que realmente aceitassem o fariam com vergonha.
A intelectualidade é pretensiosa, mesmo quando ingênua. A intelectualidade é medíocre.
Por exemplo: para um conhecido nosso cujo nome acabou entrando na roda, aceitar um emprego como o proposto significaria a desconstrução de tudo o que ele imbuiu de significado durante toda a vida. Ele, formadíssimo - e, claro, sem família para criar - enfrentaria tempos muito difíceis dando uma aulinha particular aqui e outra ali, mas não passaria o vexame de ganhar cinco mil para catar lixo de madrugada. Tem todo o direito, todos temos. O que questionamos naquela mesa de bar é o sentimento hipócrita e soberbo, o menosprezo que nutrimos pelo trabalho braçal, “não-intelectual”, em certa medida uma herança de nosso passado escravocrata. Ou alguém aqui nunca sacaneou peão?
Somos intolerantes e hipócritas presunçosos.
Perdemos poder aquisitivo, votamos na esquerda, reclamamos das políticas econômica, de emprego, de habitação. Mas não nos imaginamos sem o nosso maior capital, o capital intelectual. Esse ninguém nos tira, porque é o que nos diferencia da massa impensante. Nós pensamos, logo existimos! E assim nos bastamos. Os de classes sociais mais baixas simplesmente não existem, apenas sobrevivem (e aceitamos isso apesar de uma ou outra indignaçãozinha depois de ver Cidade de Deus ou Ônibus 174); os mais abastados que nós mostram a cara e a bunda em Caras, portanto existem, mas não pensam!
Somos jornalistas, médicos, advogados, antropólogos, sociólogos, engenheiros, publicitários; somos universitários, jovens educados, o futuro (e o presente, por que não?) da elite intelectual nacional. Engasgamo-nos com nossa incipiente sabedoria. E estamos presos, cegos, em nossa mediocridade pedante.
Ou alguém aí seria lixeiro por cinco mil, com orgulho??
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente aqui. Com educação, por favor.