Somos todos do mesmo time
O pesadelo já passou – ou, para alguns, apenas começou. Aviso aos pessimistas, alarmistas, “medrosos”, ricos com medo de dividir seus apartamentos com gentinha do MST, pessoas que vão da coitadinha da Regina Duarte ao filósofo figurinha fácil Olavo de Carvalho: o Inferno de Dante vai se instalar no Brasil a partir de 1o de janeiro.
Agora não adianta reclamar. Se o atual governo tivesse feito algo que deixasse uns poucos 52 milhões de eleitores mais contentes e querendo continuidade da era FHC, o “pesadelo vermelho” não teria chegado ao poder, e o “sapo barbudo” estaria recolhido à sua posição etérea e eterna de presidente de honra do PT e emérito quase-presidente do Brasil.
Se a maravilhosa ekipekonômica dos magos que sabem tudo sobre “os mercados” – aquelas entidades que têm vida própria, volta e meia ficam nervosas, mas devem residir na Terra do Nunca com Peter Pan e Anthony Garotinho ou então em Middle Earth, com os hobbitts, trolls e outras criaturas de Tolkien – tivessem feito algo que prestasse além de manter um câmbio irreal por um tempinho, nada disso teria começado. Os mercados têm também linguagem própria, uma novilíngua mais à direita, flutuante como o câmbio teve de se tornar depois de descoberta a inegável vulnerabilidade do Real.
O tucanato intelectual parece ter aquela noção deturpada de que os deuses do mercado devem ser obedecidos cegamente, e, para isso, uns poucos 40 milhões de brasileiros devem continuar passando fome. Afinal, a riqueza só existe na medida em que a miséria também se faz presente – vivam os parâmetros!
Depois da explosão do iogurte e do frango (lembram?), FH deveria ter saído de cena no auge, como manda a velha regra. Mas, hoje, quem ainda toma iogurte como há quatro ou cinco anos? Se FHCC tivesse se recostado em sua poltrona, retomado seu trabalho intelectual e resolvido sobreviver com sua aposentadoria de “vagabundo” (termo usado por ele como sinônimo para “funcionário público”, aplicável portanto a ele mesmo, que se aposentou do funcionalismo aos 38 anos), talvez tivesse eleito um sucessor, mesmo que fosse o zumbi sem carisma do Serra.
Há méritos, claro. Se não os houvesse, FH, que no primeiro mandato era FHC (marketing está em toda parte, não só na cartola mágica de Duda Mendonça), já teria ido para o paredón.
Acontece que, mesmo com todos os avanços, quem não tinha o básico continua não tendo. Essa cambada de caçadores e coletores, confinada à Idade da Pedra e bonitamente chamada de “massa de excluídos”, não diminuiu nem um pouquinho. O abismo da desigualdade continua profundo, tão profundo quanto as teses do sociólogo Fernando Henrique Cardoso de dantes, as quais ele tenta, através de uma formidável terapia de auto-sugestão e neurolingüística, esquecer que escreveu.
“O inconsciente coletivo do povo é a fome”. Famosa frase do Glauber Rocha, que deve estar atônito, conversando com o Betinho, tentando descobrir porque isso não acaba, porque, depois de tantos e tantos anos com as mesmas reclamações, o Brasil ainda não funciona pra tantos milhões de brasileiros.
O IBGE, órgão do governo, não nos deixa mentir: em 1992, os 50% mais pobres do país detinham 14% da renda, enquanto ao 1% mais rico da população cabiam 13,1% da renda nacional. Dados da Síntese dos Indicadores Sociais 2000 informam: na virada do século, nada havia mudado.
Chegou a hora da distribuição de renda? Espera-se que sim, ou que pelo menos as bases para mudanças sociais mais significativas sejam lançadas. Mas também sabemos que o Mr. Da Silva não é o Sassá Mutema e não vai salvar a pátria assim, fácil.
Recebemos os remédios do FMI e aceitamos todos os efeitos colaterais descritos em ekonomês na bula – mas, realmente, o que fazer quando tudo já estava indo pro espaço? Criar mais uma CPMF para aumentar a arrecadação e arrochar ainda mais o já apertado orçamento de programas sociais? A inflação não é zero há muito tempo, tudo aumenta, menos o salário – the same old story. Culpa dos ataques especulativos do “mercado temeroso?” Agora, o aumento da gasolina. Logo depois das eleições, claro, que ninguém ia arriscar a pré-derrotada campanha do Serra a pagar mico – perder já era inevitável. E o Risco-Lula, percebe-se, é infundado: o dólar continua na mesma, até diminuiu um pouquinho, mas todo mundo sabe que amanhã pode aumentar e, perdão, mas não dá mais pra dizer que a culpa é do Lula.
Não ambiciono fazer nenhum manifesto contra os vilões do Pensamento Único. Também não pretendo dizer que FH é o anticristo (pensando bem, a figura funesta de José Serra seria mais condizente com o título). Só espero que o pessoal “do contra” não seja derrotista e acéfalo, e apóie o novo governo. Que se elevem acima do PT em todos os seus anos de oposição, quando foi “do contra” por vezes só de pirraça, e ajudem a aprovar projetos e reformas imprescindíveis para o futuro e o presente.
Se o Brasil ainda não funciona para tantos, não dá pra reclamar no Procon nem pra mudar de país: tem que tentar entender, cobrar e até acender uma vela pra Santo Expedito, mas não entrar na onda de torcer contra só pra depois ser daqueles chatos que dizem “Não falei? Quem mandou votar no Lula?”
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