sábado, agosto 07, 2004

Todo mundo deve fazer um plano de previdência privada

Sempre foi ali, na Cobal do Humaitá. Um ou outro reclamava, mas o Pizza Park, o Espírito do Chope e o Puebla Café acabavam batendo a concorrência. A gente sentava e, nem bem eram pedidos os mates, guaranás diet e bebidas alcoólicas fermentadas, já se começava a falar mal da vida alheia.

De vez em quando surgia um "papo sério" sobre política, jornalismo, relações internacionais, sei lá o que. Mas a conversa sempre enveredava para os pitis da chefe, a intensa vontade de trabalhar do poeta Márvio, o rebolado da copeira Fabi, o nariz da recepcionista, as camisas furadas do Marcos Tendler, a ascensorista chamada Francisvênia (fato verídico) e, é claro, a uniformidade estética do Juppa - sempre com todo o respeito.
Alguns terminavam a faculdade, outros eram recém-formados, mas todos (ou quase) estávamos empolgadíssimos com a profissão, com o futuro brilhante que nos era reservado nos mais conceituados órgãos de mídia. Afinal, andávamos lado a lado com feras dos melhores veículos, em coberturas que iam do Rock in Rio a visitas do FHC e de rebeliões em Bangu a congressos internacionais sobre "as papoulas transgênicas da Guatemala", como diria o Werneck. A Tatilica, por exemplo, teve oportunidades únicas, como as de entrevistar o presidente da Nasa e de entrar para a História ao afundar de vez a plataforma P-36 em Macaé.

E o melhor, o melhor mesmo era aquele clima de oba-oba. Éramos todos (ou quase) sérios e dedicados, mas a verdade é que o trabalho era até divertido e as pessoas, sensacionais. Acho que jamais conseguirei reunir tão biodiversificada fauna num mesmo recinto - ainda mais numa sala com paredes de vidro e um divã vermelho com vista do 23º andar para a Praia de Copacabana, escoltada por aquele cachorrinho irritante do iG e pelo Zeca, o Schnauzer da chefe que resolvia fazer cocô no meio da redação.

Até bem pouco tempo atrás, costumávamos nos lembrar de nossas peripécias e rir pacas, e só. Mas estamos cada vez mais sérios, adultos, maduros, uau. Tem gente na IBM, na Petrobrás, em assessoria de imprensa, na Folha de São Paulo, em site de luxo - tem até um executivo do ramo de vacinas e uma que lava as roupas de baixo da Xuxa. E os papos, sempre entremeados com gargalhadas, os papos é que estão cada vez mais centrados, sérios, maduros. Fundo de renda fixa, o rendimento da poupança, problemas com o carro, o novo emprego, morar sozinho, por quê pagar à vista e não usar cartão de crédito, o custo de uma festa de casamento.

Há três anos alguém gritaria "Bora pra Matriiizzzz!!!" e a maioria concordaria. Iríamos a pé até a famosa Casa, jogaríamos Atari, riríamos do sofá da Coralina, provaríamos as perucas do brechó enquanto o Tendler apalparia um manequim. A vida era trabalhar e dançar dançar dançar. Agora, à meia-noite viramos abóboras e nos mandamos para casa. Fechamos uma conta tristonha de meia dúzia de refrigerantes, uns mates e três ou quatro chopes. Cansados e risonhos, constatamos que a Cobal do Humaitá ainda presencia as conversas sobre os indefectíveis pães-de-mel da Paula Pinto e as bizarrices do Chapa Quente, mas terminamos a noite concluindo que todo mundo deve urgentemente fazer um plano de previdência privada.

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