terça-feira, abril 13, 2004

Tédio

A melhor arma contra o tédio é tomar uma atitude neurótico-frenética. Balançar os pés como se não tivesse controle sobre eles. Comer os cantos das unhas. Estalar osso por osso. Contar as pedrinhas portuguesas do chão. Assassinar formigas indefesas com o calcanhar. Ver até onde o chiclete mastigado vai sem arrebentar.

Uma época, no colégio, fiz uma oficina de origami e acreditei que ali estava uma atividade em potencial para combater este sentimento ignóbil, destruidor do bom-senso que me era peculiar. Cheguei ao nível de construir um piano de cauda (não me perguntem como) durante a aula e arrancar elogios do professor cabeludo. Mais tarde, em casa, desperdicei metade de um pacote de chamequinho tentando reproduzir a façanha. Ali terminou minha carreira na arte oriental.

Restou-me o básico no combate ao tédio: papel, caneta e um par de olhos. E assim continuei anotando qualquer coisa que me viesse à mente, qualquer pensamento estranho, rima, palavra inventada, idéia, nome, teoria. Olhando ao redor, eu analisava algum ponto, um detalhe da paisagem ou mesmo uma pessoa que me chamasse a atenção, e começava a descrever aquilo freneticamente.

É uma sensação ótima, a de não saber nada sobre a pessoa ou a situação e tentar descrevê-las como parecem ser. Eu imaginava que os livros nasciam assim: o escritor sentava à beira de um lago, observava os pássaros e o céu e aquilo o levava a viajar por lugares maravilhosos que se tornariam cenários de grandes aventuras. Achava que “A ilha do tesouro” assim havia começado. Eu via Agatha Christie aconchegada numa poltrona rosada, de frente para a janela, tomando chá enquanto via lá fora as pessoas indo e vindo, e a partir delas criava um novo caso genial para Hercule Poirot ou Miss Marple. Para mim, os melhores livros do mundo deviam ter começado em bancos de praças, filas, salas de espera, pontos de ônibus. Mais do que possuir um talento imanente, os escritores eram simples mortais entediados que tomaram gosto por observar e analisar a natureza humana.

Por isso eu passei a colocar na bolsa, sempre que lembrava, uma agenda, um caderno, um bloco ou um bando de papéis desorganizados. Peguei o hábito (mania? neurose? transtorno obsessivo-compulsivo?) de fazer anotações, a maioria sem sentido, boa parte pela metade, muitas perdidas, mas todas muito, muito divertidas. Pode ser que eu jamais escreva um livro. Mas de tédio eu não morro.

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