sexta-feira, setembro 26, 2003

Uma dundee na festxeenha do Festival do Rio

Tava meio chuviscando, os repórteres, câmeras e holofotes a postos, e eu ali em pé, totalmente sem graça, fingindo que falava ao celular. Mas o casal que supostamente me encontraria não chegava e o telefone na caixa postal caçoava de mim. Aí apareceu o repórter. Passou reto. Num impulso, segui seu rastro, falei com a mocinha da porta: "Estou com ele", e fui em frente. Saia preta hippie-chic, blusa de rendinha e chinelinho preto, olhar blasè-tímido e lá fui eu, flutuando com cuidado no tapete vermelho que parecia não ter fim. Pela primeira vez na noite, uns poucos me fitaram por segundos, tentando descobrir se aquela solitária na abertura do Festival do Rio era "alguém".

Entrei acompanhada pelo repórter. Como num blind date cinematográfico, eu estava envergonhada e ele, misterioso. Os céus enviaram outro estagiário e sua namorada, ambos de jeans, seres da minha espécie que me acolheram naquele local para Very Important People. Entre minhas preocupações estava fugir do campo de visão de um certo cronista que escreve sobre estagiárias e as barras azuis de suas calcinhas. Fiquei de costas, como se ele realmente se importasse com a minha presença - ou com a minha calcinha.

No burburinho, Guilherme Karam grita "Abre a portaaaaaaaa!", mas só consegue uns risinhos. Depois puxa um "olê olê olê olá/ abreá portá!" que parece surtir mais efeito: mais alguns minutos de empurra-empurra digno de Fla x Flu nos bons tempos de maracanã e entramos na concorridíssima sessão do Odeon para "Encontros e desencontros", da Sofia Coppola.

Bom filme.
A Maria Fernanda Cândido é maravilhosa.

E aí é hora de ir à festa. Penetra de luxo, adentrei o Palácio da Cidade, todo iluminado, com Very Importants saindo pelo ladrão. O casal sensacional que me acompanhava estava candidamente solícito, ótimos baby-sitters. Para onde eu olhava havia sempre uns 75 famosos gargalhando, falando alto, cochichando, bebericando. Certa hora vi-me entre o Tom Hanks da novela, que dizia alguma coisa sobre sua paz de espírito para duas repórteres interessadíssimas no assunto, e uma rodinha eclética com alguns atores de Amarelo Manga. Deborah Colker comentou o filme afirmando que era sutil ou algo que o valha, ao que o elenco de Amarelo Manga reagiu. Não, sutil era o filme da Sofia Coppola, não o pernambucano que mostra um boi sendo morto e um gato lambendo vômito. Ah, bom. Risos sonoros.

Um cidadão diz que Dira Paes é chocolate com manga. Risos novamente, dessa vez mais estrondosos. Ser feliz é chique, é cool, é in.

E eu precisava de mais um Chandonzinho. Saí em busca de um copo limpo qualquer, até ser acudida pela pessoa mais bacana da festa, um garçom que, abrindo espaço no meio do elenco da novela das oito, trouxe-me uma taça de champanhe e um sorriso - o mesmo que mais tarde daria ao reservar três pratos de arroz marrom para meu casal sensacional e eu.

Mais à frente, uma loura de uns três metros de altura se destacava no meio de uma rodinha. Perguntei a minha amiga: Who the hell? Sei lá, ela respondeu. Nunca vi, não deve ser ninguém. Como assim uma loura alta não é ninguém? Espírito da noite: se você não aparece na TV, nem que seja num comercial das Facas Guinso, não é comentado nem na Contigo e não assina nada no jornal, você não é ninguém. Você não interessa. Eu, por exemplo, estagiária e penetra da pior estirpe (do tipo que gruda na mesa de fondue e persegue os garçons dos melhores canapés), não era ninguém. Aos poucos que era apresentada, recebia o aposto devido: Renata, a Estagiária.

Mas acho que enganei alguns direitinho. O Antônio Pitanga, por exemplo. Olhei para ele enquanto passava, ele fez aquele ar de quem pergunta "Quem é essa aí?", e me cumprimentou. Talvez por simpatia; mais provavelmente para não correr o risco de cometer uma gafe ao não cumprimentar alguma nova celebridade - ele, que provavelmente não assiste Malhação, não poderia ter certeza de quem é ou não celebridade. Se você está ali, arrumadinha e de gloss cintilando, há grandes chances de que seja famosa.

De vez em quando eu esbarrava com mortais: um do colégio, uns três da faculdade, dois ex-colegas de trabalho, uma ex-chefe. Mas logo em seguida dava de cara com um indivíduo portando uma bolsa de plástico brilhante, uma cidadã fantasiada de pin-up ou um gatão de blusa rosa e saia, e os personagens me traziam de volta ao mundo do red carpet, flashes pipocantes e uísque caro.

Euzinha, destituída de qualquer vestígio de glamour, eu que nunca tinha pisado num tapete vermelho e sempre passei longe da fila até do feijão, eu estava ali, na fila do champanhe, comendo risoto de funghi secchi com aquele bando de bacanas que se acham bacanas, e devem ser mesmo. Era tudo muito engraçado.

Jovem e velha guardas misturavam-se pelos cantos, como Marcus Faustini e Sérgio Britto numa divertida prosa no sofá, casais se formavam, e Renata, a Estagiária, esbaldava-se na pista dançando "Besta é tu besta é tu, besta é tu besta é tu". Acenderam as luzes e, antes que começasse a tocar Andança, tratei de voltar para casa. Com a certeza de que uma das melhores coisas da vida é o anonimato - principalmente quando vem acompanhado de uma boa boca-livre.

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