Quando eu escrevo...
Queria muito estar em Parati esse fim de semana. Ou pelo menos em casa, vendo a abertura do Pan e relembrando a "minha época" com as fotos de Mar Del Plata. Em vez disso, estarei em Uberlândia City, voleibolando com minhas amigas urubus. Mas faz parte: tudo vale a pena e minha alma tem um metro e oitenta - sem contar o salto alto.
A festa em Parati deve estar uma graça, e hoje tem Eric Hobsbawn, além de outros, como os três jovens mosqueteiros autores de "Parati para mim" (aliás, se já não tivesse um coração tomado, escolheria me apaixonar pelo JP Cuenca). Estão lá esses autores todos que o Arnaldo Bloch abordou com a proposta de escrever "sobre o rito sagrado de sentar-se diante do papel ou monitor e encher o vazio com arte e relevância". O resultado, publicado na primeira página do Segundo Caderno de hoje, é bem interessante. E me levou a fantasiar, no Maravilhoso Mundo Auto-referente de Renata, como seria se a mim fosse feito tal convite.
Já começaria discordando. Sentar diante do papel ou monitor não é, para mim, nenhum "rito sagrado". Faço isso falando ao telefone, com as pernas esticadas na cama, toda torta, comendo pão com queijo cottage, devorando uma torre de cream-crackers ou o que tiver em casa. Algumas vezes escrevo ininterruptamente; outras, vou parando no meio e tomando atitudes inúteis nas horas mais formidáveis do texto: checo blogs, leio The Onion, escrevo e-mails que jamais envio, leio o poema español del día, pesquiso sobre o cara que deu nome a uma rua por que passei ontem, baixo músicas no Kazaa. Aí volto depois, ou amanhã, e paro de novo para tomar banho, fazer carinho na minha cã, arrumar a gaveta de meias. Jamais sacralizei o ato de escrever.
Pelo contrário: é algo tão bom que tende a ser natural, parte do dia-a-dia, como limpar o armário ou organizar a caixinha do Chaplin onde guardo meus brincos. Tão importante quanto qualquer ato rotineiro, só que mais gostoso. E gratificante, extenuante, ou mesmo frustrante.
Neste ponto concordo com o que escreveu o Zuenir Ventura, o coroa mais fofo por todos os séculos dos séculos: adoro ter escrito. Só que ele diz não gostar de escrever - duvido -, e eu amo. Sobre qualquer coisa. Minhas toscas poesias, desabafos estilo "meu querido diário", trabalhos para a faculdade, e-mails, textos pretensiosos ou relaxados, comentários, teorias sem nexo...ou, como define com perfeição a Bruna Paixão, pequenas observações sobre coisas sem importância.
Só sei que comigo funciona assim: bate um furor inexplicável, uma vontade louca de sentar e escrever sobre alguma coisa. Organizo as idéias na cabeça - muito melhor do que organizo meu quartinho azulamarelo, que de tempos em tempos transforma-se numa perfumada mitocôndria-pocilga -, depois praticamente enumero os pontos principais para não esquecer. Imagino que amanhã lembrarei que pensei sete coisas e conseguirei escrever as sete da forma que me pareceu genial na noite anterior. É claro que isso raramente acontece. Por isso é tão imprescindível um caderninho - azul ou não - para esses momentos de brainstorm involuntário.
Nessas horas, às vezes tenho a certeza de que preciso escrever uma poesia ou algo parecido. Adorei o que disse ao Bloch o Ferreira Gullar: “escrever poesia é fracassar gloriosamente”. Exato. É uma sensação de triunfo com melancolia, junto à certeza de que, aos outros, o que escrevi lhes parecerá uma droga. Mas isso não importa: dei à luz o que se fez em mim, feio ou bonito aos olhos da estética. Eu me diverti ou libertei, mesmo que a tradução disso em palavras tenha sido besta.
E há também a dimensão fantástica em que entro quando sossego em minha mitocôndria e resolvo dar início ao ritual pagão. "Quando eu escrevo...acesso a vida real. Sim, porque você não vai querer me convencer que essa pilha de contas, esse engarrafamento e a reunião do condomínio sejam a vida real, vai??" Essa é do Eduardo Bueno, escritor e historiador. Eu prefiro acreditar que essa dimensão fantástica é que é a vida real, a que vale no final das contas: posso ser tudo quando escrevo, posso inventar o que quiser, posso pesquisar e procurar entender um assunto que não domino, posso reinventar o que já sei. E posso, depois de ter escrito, mudar completamente de idéia. Se a gente não pode mudar a vida, pode reescrevê-la - a nossa e a dos outros - quantas vezes quiser, até que o resultado final nos agrade.
Já disse aqui neste blog que "viver é bem melhor que escrever", e mantenho a opinião. Mas, no meu caso, viver escrevendo está dentro do que imagino como a melhor vida possível. Quando escrevo posso hipnotizar a mim mesma, me enlevar com o medíocre, ser o que nunca fui e ter a certeza de que estou exatamente onde deveria estar: brincando de ser um deus irresponsável ao criar o mundo que me dá na telha.
Quando eu escrevo travo uma guerra solitária, mas plena e excitante, que pode me levar às lágrimas, à saudade, à melancolia, mas também à esperança, a um universo novo qualquer, a um lugar que eu gostaria que existisse. Ou pelo menos ao dicionário, onde aprenderei mais um ou dois instrumentos para me expressar. Seja qual for o resultado: um texto elogiado, publicado, alentador, ou uma porcaria que vá impiedosamente morrer no lixo - escrever é sangüíneo, profilático. Escrever é a única guerra que vale a pena.
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