segunda-feira, abril 14, 2003

Resposta a uma amiga

Querida Thamar,

Vi Frida ontem. Também adorei, apesar de ser ligeiramente irritante ver mexicanos falando inglês com sotaque em seu próprio país. E pensei um pouco no que você disse: viver de verdade...deixar as superfícies para trás, as falsas escolhas, abrir os braços sem medo do sol, sorrir. Talvez as reações que você descreveu tenham sido mais despertadas em mim com o filme As horas, mas Frida também me levou a refletir.

Admiro-te pela coragem de fazer perguntas a si mesma e ouvir com atenção as suas respostas. Eu faço isso de vez em quando (ou de vez em nunca), mas é bem difícil saber quando as minhas respostas são minhas mesmo e quando elas são ecos do externo, ecos que me acostumei a tomar por verdades quase absolutas.

Se estou cansada? Sim e não. Acho que vivo meio cansada, meio disposta a tudo. Às vezes quero tanto que me canso só de ter disposição para querer tanta coisa. E às vezes não quero nada, não tenho pretensão alguma – mas exatamente nesses momentos sou obrigada (será?) a querer ou fingir que quero alguma coisa só para a minha vida fazer sentido para os outros.

Se acredito na possibilidade de viver de verdade, conseguindo abrir mão das falsas escolhas, dos hábitos sem sentido? Acredito. Mas às pessoas que conseguem ser 100% assim geralmente colamos o rótulo de loucas...
Talvez eu tenha mesmo assumido de vez a farsa da vida e lute para me manter feliz. Talvez andemos tanto, corramos tanto, que, sob um diferente ponto de referência, permanecemos imóveis...

Quanto à derradeira pergunta.....”O que torna ou tornaria a vida de vocês verdadeira?”

...Acho que estou na mesma que a Méri: me afogando na superfície, me debatendo onde dá pé. A gente faz muito drama e esquece – me deixe ser piegas – que a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. No fim, dá certo. E se não der, dane-se.

Se a liberdade for mesmo optar, então estou mais livre que qualquer pássaro nesse mundo. Desde que me entendo por gente faço opções. Mas todas elas são palpáveis, aquelas que todo mundo enxerga. “Ficar no MRV ou ir pro Rexona?”; “jogar vôlei ou estudar?”; “me formar nos states ou voltar pro Brasil?” Mas essas escolhas todo mundo faz, e, se não fizer, cedo ou tarde a vida acaba fazendo por nós.

Muitas das opções que temos que fazer são mais profundas. São de atitude, de aceitação, de valores, de assumir os erros, viver e deixar viver sendo invejoso, ciumento, estúpido, ignorante, pretensioso. É optar por se desprender do “se”, mandar o condicional para a p.q.p., entender que o mundo é feito de julgamentos. É assumir as escolhas sem desculpas para os outros, é não julgar A, B ou C porque resolveu vender amendoim na esquina em vez de cursar Direito ou ler filosofia. Mas é também aprender a não relativizar tudo, porque senão nada faz sentido...

Ser livre, pois, é optar por tomar caminhos que podem levar a lugar nenhum. É optar porque realmente se quer, e não para satisfazer alguém. Então é só parar de lutar contra moinhos de vento e seguir a estrada, que um dia ela dá em algum lugar...É ser o estrangeiro de Camus, ou um menino maluquinho do Ziraldo, um Holden Caufield menos perturbado. Assim, meio niilista - mas sem perder de vista a solidariedade. O existencialismo é um humanismo...!

Enfim, Thamar, eis o resumo da Filosofia Trash nota onze da Merizinha: às vezes não ganhar nada é o melhor que pode acontecer a alguém.
É, Méri: decidir o caminho sem saber onde vai dar deve ser mesmo a real liberdade. Mas a gente sempre imagina onde pode dar, e escolhe de acordo com esse desejo ou imposição, mesmo sem querer. Pelo menos é assim que eu vejo. E nem todo mundo consegue viver com a assustadora e bela idéia de poder ser o que quiser. É muito mais fácil se encaixar em alguma fôrma no meio do caminho. Pior: poucos conseguem ficar felizes ao voltarem para casa com um palito de fósforo trocado por uma bicicleta depois do grito "SIIIIIIIIM!" no foguetinho do Silvio Santos – mesmo que não seja a bicicleta o que lhes tornará a vida verdadeira.
Eu até tento ficar feliz com o palitinho, mas às vezes é foda.

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