Amiga
Tenho uma amiga frágil e desbocada. “Uma amiga” é vago demais para essa amizade que está chegando a uma década de vida; poderia dizer que ela é a amiga. Não a única, não a perfeita, mas simplesmente uma endoamiga com todas as forças, os problemas, as vitórias. Amiga apesar da minha insensatez e ingratidão.
A cada frase ela solta um ou outro palavrão, um gíria ou duas, expressões engraçadas e teorias sobre os homens ou qualquer outro aspecto da vida que seja tão interessante quanto esses seres estranhos. A amiga, o mito: ela é a que agita, a que conhece todo mundo, a que faz acontecer. Não que ela lute para sustentar o título – as coisas são assim.
Ela atrai todo tipo de pessoas. Mas engana-se quem pensa que suas amizades são superficialidades sazonais: ela vive e ama intensamente de minuto a minuto, e se dedica àqueles que cruzaram seu caminho com um carinho e uma preocupação que só as mães podem ter. Já foi até criticada por ser um pouco maternal demais com seus amigos, mas parece que o mundo funciona de forma a delegar a ela certas missões. Assim, ela acaba atraindo problemas, mas sabe lidar com eles e sempre, sempre os resolve.
Mas dentro da casca irada dessa moça existe uma menina frágil que pensa no que vai ser quando crescer. No fundo, ela sabe que isso não vai acontecer. Sem complexos de Peter Pan, Sininho ou Wendy, ela transforma o mundo numa Terra do Nunca sem remorsos.
A voz sai fácil, as palavras também, e a sua alegria conquista qualquer um. Quando precisa, ela procura um cantinho pra ficar sozinha, olha pra lua e pensa que nada é por acaso. É uma eterna aprendiz de si mesma e vai buscar o que naquele momento lhe parece ser a felicidade onde quer que acredite que ela está. Vai de carro ou de avião, de trem, de caminhão – para onde quiser ela vai, seguindo São Sebastião, a astrologia, Deus, anjos, amigos, amores.
Ela canta para subir, espantar os males – e canta bem. Herbert Vianna falou, Herbert Vianna avisou...Independentemente de gravar um CD ou não, de cantar no Canecão ou num carro na estrada, de vender um milhão de cópias ou de simplesmente desistir de tudo – ela já é um sucesso. Se vai trabalhar com TV, escrever roteiros de filmes e peças, compor para a Sandy, produzir epopéias surreais ou se transfigurar em Joey Potter – nada disso interessa. O que importa é o que ela faz a cada momento, e que dá certo mesmo quando dá errado. Porque ela, com todas as suas inseguranças, ainda é a menos paranóica que eu conheço. Não passa de uma desvairada correta.
Ela é mais ela.
E no meio de seus devaneios ajuda os outros, se mobiliza em favor de amigos ou conhecidos, recebe bem qualquer cara nova que apareça. Seu quarto é iconográfico: poucos espaços vazios, muitas cores, algumas coisas fora do lugar e outras que parecem estar fora do lugar mas não estão, e vice-versa. Até o armário de roupas é um “buraco” na parede com formas e cores para todos os lados, com tudo sempre à mostra - como o coração dela. Não há muitas definições de fronteiras: se você chegar lá e sentar em sua cadeirinha-qualidade-de-vida, na cama ou no chão, tudo bem. Entre, ligue a TV (que demora pra pegar), o computador (que às vezes precisa de uns tapas), acenda uma vela (há opções para todos os gostos), conte os gnomos da estante e olhe os milhões de fotos alto-astral. Não tem como não entrar numa onda boa.
Minha amiga é impulsiva, segue as borboletas, e não as aranhas, e com certeza tomaria a pílula vermelha de Matrix. Ainda por cima admite seus erros - e até os comemora. Certa vez, corrigi a acentuação de uma palavra só para implicar com ela. A resposta: “Ai Rê, você ainda tem muito que errar nessa vida pra ser feliz...” Ela me conhece como poucos, e entende minhas mancadas sem me passar a mão na cabeça: sabe bater quando é necessário, e normalmente acerta na mosca. E bate forte não só na bola, mas nos amigos também...Mas fique feliz se ela um dia te der uma paulada e disser umas verdades: é porque ela te ama.
Uma vez disse para ela, de brincadeira (como sou implicante!), para não se afogar na euforia. A resposta, em letras garrafais no msn messenger:
ME AFOGO OVER AND OVER, SEMPRE, EM TUDO NA MINHA VIDA!!!
A verdade é que ela nasceu com bóias de braço invisíveis, e todas as piscinas da sua vida dão pé, sempre...De vez em quando encontra um azulejo quebrado lá no fundo da piscina e luta contra as próprias bóias para consertá-lo, arriscando tudo. Mesmo quando o azulejo fica do lado do ralo, aquele que machuca quando a gente pisa em cima, ela se recusa a comprar uma piscina Tony que não arranha, não quebra, não afoga e dá prazer para toda a família. Seria covarde demais.
Dona de uma beleza corajosa, um estilo feminino-esperto, tem um baú de talentos que a cada dia libera um novo, e que de certa forma é como o daquela moça chamada Pandora: sua última palavra, mesmo que ela não perceba, é a esperança.
Se um dia ela morrer (não estou certa se isso vai acontecer) vai ser de cirrose cerebral. Úlcera no cerebelo. Excesso de serotonina-adrenalina-dopamina-noradrenalina.
Porque ela tem poderes catalíticos que aceleram a velocidade de qualquer reação, sem no entanto participar dela como reagente ou produto. Mais que isso, regula qualquer conjunto complexo de reações e é a unidade funcional do metabolismo de uma boa amizade: ela é uma enzima! Ou ainda uma bebida com lactobacilos vivos, aquela que você toma durante a infância e que pode virar vício da vida inteira, tem um gostinho nada convencional e incomparável, e você não sabe bem do que é feita – mas adora.
Minha amiga tira a vida de letra porque sabe que não tem outro jeito. Chora com motivos ou sem motivos, mas nunca se deixa derrubar. Nem ela tem idéia do quanto se diverte, e hoje chega aos 25 assim, achando que não sabe muita coisa, mas sendo feliz quase sem querer, meio que por instinto.
Ela é Touro, cara. E com ascendente Gêmeos.
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