segunda-feira, março 31, 2003

About Schmidt ou qualquer um de nós

Admiro quem consegue ser feliz não fazendo nada. Ao mesmo tempo em que é inútil, a criatura que não faz nada parece ser despretensiosa, menos vaidosa que o normal, desprendida de valores como a obrigação da produtividade, do ganhar dinheiro, do criar.
Quando não faço nada fico louca. Ou então até curto ir à praia, sair, dormir tarde e acordar a hora que bem entender, mas no fundo sempre fica aquela depressão. Sinto-me um elemento dissonante num mundo de pessoas normais, trabalhadoras e competentes.
O grande risco de não se fazer nada é tornar-se confuso. Tudo toma proporções homéricas, uma ida ao dentista vira o programa do dia, há muito tempo de sobra e por isso mesmo acaba faltando tempo. É como a rotina de um aposentado que não consegue buscar outra razão para viver.
A vida é fechada em uma esfera individual que deve fazer sentido para nós mesmos; um círculo cujo núcleo deve ser um objetivo, um alvo qualquer, mesmo que difuso, mesmo que se torne apenas um pretexto para nos levantarmos todos os dias. Sem esse núcleo, andamos em círculos e as horas demoram a passar enquanto lutamos contra a loucura da sanidade vã. É preciso ter e sentir nas mãos aquele globo de prata de que fala Virginia Woolf em “As horas”...
Estou pensando nessas coisas estranhas porque ontem vi “As confissões de Schmidt” (About Schmidt). Quantos Warren Schmidts não devem existir por aí? E, pior, quantos de nós não se tornarão pessoas como ele? Será que viraremos indivíduos cansados, feiosos, confusos, obesos? Será que nos sentaremos no trono de um apartamento (no caso do personagem, literalmente, pois a mulher lhe mandava fazer xixi sentado) com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar...? Será que nos arrastaremos como paquidermes não por nossa gordura, mas pelo peso do arrependimento que ainda assim será mais leve do que a preguiça de fazer valer o tempo que nos restará? Warren move-se pelo desespero, mas uma forma tão apática de desespero que não o deixa fazer muita coisa a não ser deprimir-se. Ainda assim o filme é engraçado, claro – Jack Nicholson é sempre impagável -, pois se a vida não tiver um pouquinho de humor não consegue nem ser triste.
Schimdt calcula que tem 73% de chance de morrer em nove anos. Isso não quer dizer que ele não possa morrer amanhã – como todos nós – ou dali a duas décadas. É um homem de 66 anos, aposentado, que poderia pegar os dólares que recebe e usar seu trailer Adventurer para fazer viagens maravilhosas. Poderia se enfurnar em clubes da terceira idade para dançar em bailes e jogar bingo, ou fazer qualquer outra coisa válida. É assim que costumo pensar: se eu chegar à velhice, vou viajar, vou trabalhar em uma missão na África, vou fazer trabalhos voluntários, aprender japonês e até origami se minhas mãos deixarem. Vou ser daquelas vovós que andam na praia fazendo exercícios de respiração e movendo os braços em movimentos de ginástica dos anos 80. Vou ser ativa e feliz, uma vovó pop e generosa.
Mas quem garante que não me tornarei mais um amargurado Schmidt? Quem garante que não olharei para trás e direi: “quando eu morrer e todas as pessoas que me conheceram tiverem morrido, será como se eu nunca tivesse existido”?

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