Uma tarde escatológica
Lá fui eu de buzum para mais uma das 478 entrevistas/provas que tenho feito nos últimos três meses. O destino: Jornal do Commercio, editoria Internacional, procurar Jô Gallazzi. Peguei um ônibus até o Largo do Machado e de lá o 170, para a Gamboa (!?!). Um calor impiedoso, aquele odor de rosas de ônibus à tarde, cheio, no Centro. A trocadora, aparentemente bêbada, não sabia explicar direito como chegar à Rua do Livramento, no Santo Cristo (acho). Um senhor com certa dificuldade para falar conseguiu esclarecer a questão com simpatia. Sentei-me no segundo banco à direita, como fazia nos tempos em que ia de ônibus para a escola. Havia esquecido que naquela época eu cabia no ônibus; hoje, tenho que sentar de lado porque a extensão de meu fêmur é maior do que a distância entre os bancos.
De repente comecei a perceber que várias baratinhas felizes passeavam impunemente pelo coletivo. Uma delas perambulava nas costas do banco à minha frente, à esquerda, de cara para uma senhora de uns 40 e poucos anos. Estava quase cutucando a coitada para avisar que o Monstro estava à sua espreita quando vi a cena mais asquerosa dos últimos tempos: a senhora começou a bater na barata com suas longas unhas, querendo esmagá-la.
Concentrei-me para não continuar presenciando aquela cena que até Kafka classificaria de ignóbil, mas não tem jeito: quando você menos quer olhar para alguma coisa, seus olhos parecem se fixar nela com sofreguidão. A barata era de médio porte, daquelas em fase de crescimento, que não chegam a ser tão terrivelmente assustadoras (não fazem um “clec” estrondoso, se pisadas), mas também não são tão insignificantes a ponto de serem ignoradas até por cucarachofóbicos como eu. A dita cuja abriu as asas (aarggh) e ensaiou uma fuga, mas desistiu e ficou por ali mesmo, mexendo as anteninhas. A senhora, que a esta altura recebia olhares de ojeriza disfarçados por meus óculos escuros, resolveu então conviver pacificamente com sua companheira de viagem. Dentro de poucos instantes, já estava passando as mãos no cabelo, como se tivesse tentado esmagar uma inocente ervilha.
Ainda me recuperava da experiência transcendental lispectoriana quando senti um cutucão no ombro esquerdo: “Ei, moça! Tá calor, né?” “É, tá demais....” Que mais poderia eu dizer? A figura usava um chinelo Samoa jurássico (muito pior que o Line Beach) e um short amarelo manga sujo. E só. A barriga indecente ficava mousseando ao sabor das curvas das ruas do Centro.
Ele assoou o nariz escandalosamente e dali a pouco senti outro cutucão: “Ei, moça! Tem 50 centavo aí?” Disse que não tinha nada – já é automático, todo mundo responde que não tem antes de pensar no assunto. Mas 50 eu não tinha mesmo: na verdade tinha dérreal e uns 20 centavos na bolsa, mas não queria nem pensar na hipótese de aquilo ser motivo para mais um cutucão e uma puxada de papo. “Usei pra pagar o ônibus....”, disse eu, quase sem me virar para o coitado. Talvez em resposta ao meu pão-durismo, ele deu mais umas cinco assoadas daquelas descomunais antes de descer.
E lá fui eu, rumo a mais uma prova inútil. Depois de cerca de 1h30 respondendo perguntas (alguém sabe quem é o presidente do BNDES?) e fazendo um texto sobre economia, eu que havia ido preparada para algo de Internacional tive a nítida impressão de que viraria as costas e as deusas do Commercio jogariam meu currículo no lixo e dariam risadas sarcásticas sobre minha prova. Talvez até a usassem para assoar o nariz ou matar uma barata.
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