Ela, mulher etérea
Ela é abstrata
por ser tão concreta
e querer ir muito além
da concretude.
Ela é sólida,
mas desmancha no ar
como uma bolha de sabão
ou um falso sorriso
em vão.
Ela é infinda, mas infinitamente frugal
e mais que tudo é, ainda,
uma infinita sentimental.
Ela é simplória,
quer ser oculta
e sente baldia culpa
ao lutar por qualquer glória.
Ela se esquece de tudo
mas tem memória;
diz que o mundo merece estudo
e se interessa por qualquer história
(ê mulher contraditória...)
Ela é comodamente inconformada;
brega, crítica, tímida, impostora,
dominada e dominadora,
sempre por algo apaixonada.
É parafrênica, paranormal,
Musa da paralaxe conceitual,
De tudo gosta,
De nada é íntima,
Mulher disposta, mulher ínfima
Estúpida mulher, mulher normal.
Jovem pirotécnica,
tática
tétrica.
Receia ser apócrifa
E detesta perceber-se indigna:
Ela é um grande paradoxo
Que se pretende paradigma.
2/03
Coisas de Nada
palavras. palavras. palavras.
quinta-feira, maio 30, 2013
domingo, dezembro 30, 2012
Stella
Stella
Teu nome, imagem
De um sonho de menina
A estrela que pedi
Quando ainda não sabia
Que trarias muito mais...
Há muito tempo
Pensava em ti,
Para ti vivia;
Não te conhecia
- você nem existia!
Mas já respirava,
Pronta, latente,
Em algum lugar esperava
Sua hora de chegar
E ao menos duas vidas
Para sempre transformar.
E agora, Stella,
Tento descobrir
Como guiar uma estrela
E iniciar uma história
Que não posso controlar...
Afinal, menininha,
Que posso eu te ensinar?
“Seja feliz”, posso afirmar
(Não sei se isso irá ajudar).
Minha pequena estrela,
Uma vida nova
Que começa a ser trilhada!
Tens a chance de ser
O início da verdade
E para a posteridade
Poderás deixar
Muito mais
Muito mais
Que poeira estelar...
Mas Stella, menina,
Busque as estrelas!
No princípio eu te levo,
Escrevo-te, página branca,
Pintura imaginada
De um céu incandescente, mudo
Transparente e puro
Colorido com o amor mais profundo:
Stella, te digo,
Só agora existe sentido
Para cada sorriso no mundo.
2009
sexta-feira, março 21, 2008
Supérfluo
Eu achava que
não viveria
sem poesia.
Mas quando tive
de viver,
vivi;
a poesia
não me ajudou mais
que a prosa da vida
cotidiana.
Acordar, arrumar,
planejar, somar,
subtrair, pagar,
estudar, estudar,
trabalhar
trabalhar
trabalhar.
Onde estava a poesia?
Não passava por mim
nem quando via
flores e pássaros e a Lua.
A vida pragmática
é um pouco rasa
mas sem ela,
sem ela
não se vive.
Poesia é artigo de luxo.
Eu achava que
não viveria
sem poesia.
Mas quando tive
de viver,
vivi;
a poesia
não me ajudou mais
que a prosa da vida
cotidiana.
Acordar, arrumar,
planejar, somar,
subtrair, pagar,
estudar, estudar,
trabalhar
trabalhar
trabalhar.
Onde estava a poesia?
Não passava por mim
nem quando via
flores e pássaros e a Lua.
A vida pragmática
é um pouco rasa
mas sem ela,
sem ela
não se vive.
Poesia é artigo de luxo.
sábado, novembro 17, 2007
Faça
Vivemos reclamando do vizinho, do trânsito, da cidade, da violência, do Brasil, do mundo. Mas o que fazemos para melhorar a situação? Normalmente, quase nada. Pensando nisso, listei aqui algumas ações bem simples que podem ajudar a fazer diferença. Pode parecer que eu esteja repetindo o que todo mundo fala, mas acho que é o mínimo que posso fazer: ajudar a pôr na cabeça de quem esbarrar nesse blog que é possível, sim, melhorar o mundo com pequenas ações.
-Recicle o lixo. Se a prefeitura ainda não faz isso, ligue para a associação de catadores de papel mais próxima (em BH, Asmare -3201-0717) e diga que está interessado em fazer um convênio, depois telefone para a prefeitura da sua cidade e encha o saco deles até implantarem a coleta seletiva. Até lá, tome a iniciativa você mesmo e traga a idéia para a reunião de condomínio do seu prédio.
-Faça uma limpa no seu armário e na casa toda e se livre de tudo aquilo que não usa. Roupas, sapatos, brincos, caixas, brinquedos, livros, o vigésimo nono conjunto de tupperware, aquele refratário que você ganhou de presente há 17 anos e nunca usou. Muita gente ficaria feliz em ter cada uma dessas coisas que você nem lembra que tem.
-Não dê esmola em dinheiro: dê roupas, dê comida, converse com as pessoas.
-Jogue o óleo de cozinha no lugar certo, que não é o ralo da pia. No Rio, acesse o site http://www.disqueoleo.com.br/. Em BH (e provavelmente em outras cidades também), um dos locais que recebem óleo usado armazenado em garrafas pet é o supermercado Extra. Se o Extra mais perto de sua casa ainda não tem o coletor apropriado, ligue para o SAC da empresa: 0800-7732732.
-Feche a torneira enquanto escova os dentes e o chuveiro enquanto se ensaboa.
-Recicle pilhas e baterias de celulares, câmeras digitais, controle remoto, relógios etc. Elas contêm materiais que contaminam o solo e os lençóis freáticos. Sempre há lugares que recebem - em BH, por exemplo, o Banco Real.
-NUNCA, JAMAIS jogue lixo no chão, nem no mato. Leve um saco no carro, carregue outro para a praia. Nem chiclete deve ser jogado na rua, nem canudinho na areia. E, se vir alguém fazendo a barbaridade de jogar lixo no chão, não tenha vergonha e repreenda - sempre com educação.
-Falando em saco plástico: compre uma sacola de compras ou leve caixas de papelão na mala do carro quando for fazer supermercado. Reduza o uso de sacos plásticos ao mínimo necessário - o plástico demora de cem até 450 anos para se decompor.
-Se estiver dentro das suas possibilidades, "adote" uma criança carente de uma creche ou escola. Com R$30, 80, 100 por mês - quanto você puder e quiser - você pode ajudar uma criança a pagar material escolar, uniforme, lanche, sapato, ônibus. Se achar que não pode contribuir com nada, que seu orçamento está apertado, talvez seja hora de se organizar: às vezes a gente gasta 200 reais sem perceber, pagando estacionamento, pizza, sorvete, jantando fora, comprando coisas de que não precisamos.
-Novamente, se estiver dentro das suas possibilidades, dedique algum tempo a um trabalho voluntário. Ensinar uma língua, um esporte, visitar idosos, ler para cegos, dar aulas de reforço escolar...sempre há o que fazer. Uma forma de dar o primeiro passo para procurar quem precisa de ajuda é acessar o site http://www.voluntariado.org.br/.
-Dirija com calma. Lembre-se de que você não é a única pessoa que está com pressa de chegar a algum lugar. Se alguém fizer uma barbeiragem, segure-se e não xingue. No máximo, faça uma cara de desaprovação, seguida de um sorriso... A educação é mais importante que o seu orgulho ferido por ter sido passado para trás. E, se a barbeiragem partir de você, peça desculpas. Você vai desarmar o motorista que estava preparado para mandá-lo para aquele lugar.
-Diga as palavrinhas mágicas "por favor", "obrigado", "bom dia". Sorria para o ascensorista, para o gari, a faxineira - pessoas que trabalham para que sua vida seja mais confortável. Seja educado com todos, sem distinção de classe, cor ou seja o que for.
-JAMAIS fure fila. Não seja ridículo. Seja quem for, você não é melhor do que ninguém.
-Desista do seu baseadinho inocente. Droga não tem NADA de inocente. Agora já virou clichê dizer isso, mas a sua maconha do fim de semana ajuda, sim, a financiar o tráfico e engendrar a violência de que você tanto reclama. Você pode ser a favor ou contra a descriminalização, mas, enquanto ela não for realidade, seja responsável e deixe seu beckzinho de lado. E não venha com aquela desculpa esfarrapada de que "eu compro de um conhecido meu que planta em casa".
-Seja honesto nas mínimas coisas. Subornar o guarda de trânsito coloca você no mesmo nível do político que desvia dinheiro público. Pegar balinhas inocentes nas Lojas Americanas, comer pão-de-queijo no supermercado e sair sem pagar, comprar CDs e DVDs piratas, não devolver o troco dado em excesso, sonegar imposto, falsificar carteirinha de estudante - se você faz algo assim, não tem moral para falar do Renan Calheiros.
-Não desperdice comida. Compre o necessário, e se achar que não vai comer tudo, dê para alguém antes que vença o prazo de validade.
-Esse é o mais difícil e mais polêmico: não gaste dinheiro à toa. Vivemos numa sociedade em que se acredita que, se ganhamos dinheiro com nosso trabalho honesto, podemos gastá-lo como bem entendermos. Em parte, isso pode ser verdade - quem controla seu salário ou sua mesada é você. Mas não exagere. Mesmo que você não tenha roubado de ninguém, é um contra-senso gastar R$1.000 em uma calça jeans, R$2.000 em um vestido. Para quê comprar um carro de R$80.000, sendo que um pela metade do preço vai te levar ao mesmo lugar? Não seja escravo da moda, dos últimos lançamentos, da ditadura do status e das aparências. Construa sua personalidade em cima do que você é, e não do que você tem. Não incentive o consumo desenfreado e irresponsável. Não pode ser considerado normal gastar dois salários mínimos em um tênis em um país em que as crianças morrem de diarréia.
Nada disso é impossível de ser feito; só precisamos nos acostumar à idéia de que quem deve agir é cada um de nós e parar de confortavelmente culpar o governo, a história do Brasil, o Congresso, o Bush ou Deus...Ponha as mãos na massa.
Vivemos reclamando do vizinho, do trânsito, da cidade, da violência, do Brasil, do mundo. Mas o que fazemos para melhorar a situação? Normalmente, quase nada. Pensando nisso, listei aqui algumas ações bem simples que podem ajudar a fazer diferença. Pode parecer que eu esteja repetindo o que todo mundo fala, mas acho que é o mínimo que posso fazer: ajudar a pôr na cabeça de quem esbarrar nesse blog que é possível, sim, melhorar o mundo com pequenas ações.
-Recicle o lixo. Se a prefeitura ainda não faz isso, ligue para a associação de catadores de papel mais próxima (em BH, Asmare -3201-0717) e diga que está interessado em fazer um convênio, depois telefone para a prefeitura da sua cidade e encha o saco deles até implantarem a coleta seletiva. Até lá, tome a iniciativa você mesmo e traga a idéia para a reunião de condomínio do seu prédio.
-Faça uma limpa no seu armário e na casa toda e se livre de tudo aquilo que não usa. Roupas, sapatos, brincos, caixas, brinquedos, livros, o vigésimo nono conjunto de tupperware, aquele refratário que você ganhou de presente há 17 anos e nunca usou. Muita gente ficaria feliz em ter cada uma dessas coisas que você nem lembra que tem.
-Não dê esmola em dinheiro: dê roupas, dê comida, converse com as pessoas.
-Jogue o óleo de cozinha no lugar certo, que não é o ralo da pia. No Rio, acesse o site http://www.disqueoleo.com.br/. Em BH (e provavelmente em outras cidades também), um dos locais que recebem óleo usado armazenado em garrafas pet é o supermercado Extra. Se o Extra mais perto de sua casa ainda não tem o coletor apropriado, ligue para o SAC da empresa: 0800-7732732.
-Feche a torneira enquanto escova os dentes e o chuveiro enquanto se ensaboa.
-Recicle pilhas e baterias de celulares, câmeras digitais, controle remoto, relógios etc. Elas contêm materiais que contaminam o solo e os lençóis freáticos. Sempre há lugares que recebem - em BH, por exemplo, o Banco Real.
-NUNCA, JAMAIS jogue lixo no chão, nem no mato. Leve um saco no carro, carregue outro para a praia. Nem chiclete deve ser jogado na rua, nem canudinho na areia. E, se vir alguém fazendo a barbaridade de jogar lixo no chão, não tenha vergonha e repreenda - sempre com educação.
-Falando em saco plástico: compre uma sacola de compras ou leve caixas de papelão na mala do carro quando for fazer supermercado. Reduza o uso de sacos plásticos ao mínimo necessário - o plástico demora de cem até 450 anos para se decompor.
-Se estiver dentro das suas possibilidades, "adote" uma criança carente de uma creche ou escola. Com R$30, 80, 100 por mês - quanto você puder e quiser - você pode ajudar uma criança a pagar material escolar, uniforme, lanche, sapato, ônibus. Se achar que não pode contribuir com nada, que seu orçamento está apertado, talvez seja hora de se organizar: às vezes a gente gasta 200 reais sem perceber, pagando estacionamento, pizza, sorvete, jantando fora, comprando coisas de que não precisamos.
-Novamente, se estiver dentro das suas possibilidades, dedique algum tempo a um trabalho voluntário. Ensinar uma língua, um esporte, visitar idosos, ler para cegos, dar aulas de reforço escolar...sempre há o que fazer. Uma forma de dar o primeiro passo para procurar quem precisa de ajuda é acessar o site http://www.voluntariado.org.br/.
-Dirija com calma. Lembre-se de que você não é a única pessoa que está com pressa de chegar a algum lugar. Se alguém fizer uma barbeiragem, segure-se e não xingue. No máximo, faça uma cara de desaprovação, seguida de um sorriso... A educação é mais importante que o seu orgulho ferido por ter sido passado para trás. E, se a barbeiragem partir de você, peça desculpas. Você vai desarmar o motorista que estava preparado para mandá-lo para aquele lugar.
-Diga as palavrinhas mágicas "por favor", "obrigado", "bom dia". Sorria para o ascensorista, para o gari, a faxineira - pessoas que trabalham para que sua vida seja mais confortável. Seja educado com todos, sem distinção de classe, cor ou seja o que for.
-JAMAIS fure fila. Não seja ridículo. Seja quem for, você não é melhor do que ninguém.
-Desista do seu baseadinho inocente. Droga não tem NADA de inocente. Agora já virou clichê dizer isso, mas a sua maconha do fim de semana ajuda, sim, a financiar o tráfico e engendrar a violência de que você tanto reclama. Você pode ser a favor ou contra a descriminalização, mas, enquanto ela não for realidade, seja responsável e deixe seu beckzinho de lado. E não venha com aquela desculpa esfarrapada de que "eu compro de um conhecido meu que planta em casa".
-Seja honesto nas mínimas coisas. Subornar o guarda de trânsito coloca você no mesmo nível do político que desvia dinheiro público. Pegar balinhas inocentes nas Lojas Americanas, comer pão-de-queijo no supermercado e sair sem pagar, comprar CDs e DVDs piratas, não devolver o troco dado em excesso, sonegar imposto, falsificar carteirinha de estudante - se você faz algo assim, não tem moral para falar do Renan Calheiros.
-Não desperdice comida. Compre o necessário, e se achar que não vai comer tudo, dê para alguém antes que vença o prazo de validade.
-Esse é o mais difícil e mais polêmico: não gaste dinheiro à toa. Vivemos numa sociedade em que se acredita que, se ganhamos dinheiro com nosso trabalho honesto, podemos gastá-lo como bem entendermos. Em parte, isso pode ser verdade - quem controla seu salário ou sua mesada é você. Mas não exagere. Mesmo que você não tenha roubado de ninguém, é um contra-senso gastar R$1.000 em uma calça jeans, R$2.000 em um vestido. Para quê comprar um carro de R$80.000, sendo que um pela metade do preço vai te levar ao mesmo lugar? Não seja escravo da moda, dos últimos lançamentos, da ditadura do status e das aparências. Construa sua personalidade em cima do que você é, e não do que você tem. Não incentive o consumo desenfreado e irresponsável. Não pode ser considerado normal gastar dois salários mínimos em um tênis em um país em que as crianças morrem de diarréia.
Nada disso é impossível de ser feito; só precisamos nos acostumar à idéia de que quem deve agir é cada um de nós e parar de confortavelmente culpar o governo, a história do Brasil, o Congresso, o Bush ou Deus...Ponha as mãos na massa.
segunda-feira, outubro 16, 2006
Caution:
Eu costumava ser uma pessoa boa. Não que hoje eu seja péssima, mas é terrível sentir como a gente endurece mesmo. Não acreditava que isso pudesse acontecer. Achava que minha personalidade da infância e adolescência seria a minha personalidade para sempre. Sei que o íntimo, as convicções, a índole, alma ou o que quer que seja, essas coisas não mudam assim tão rapidamente. Mas são as pequenas atitudes que vão nos transformando em pessoas menos tolerantes, menos pacientes, mais críticas. Hoje eu me forço a ter um impulso que até bem pouco tempo atrás era natural: compreender alguém antes de julgar. Por que essa criatura está sendo tão grossa comigo? Por que é tão invejosa? Por que motivo será que cospe fogo e jamais dá bom dia ou boa noite? Quase nada acontece por acaso, e pouca gente é má ou estúpida de graça. Antes eu compreendia isso instintivamente; hoje, muitas vezes primeiro julgo, depois me arrependo e tento compreender, mas aí já pode ser tarde demais.
Ainda assim, eu vivo repetindo que prefiro ser considerada boboca a desconfiar de tudo e de todos. Prefiro ser passada para trás a decretar que a natureza humana é podre e que, no fundo, todo mundo é mau, muito mau. Mas o problema é que eu estou deixando de ser boboca. Estou me tornando uma criatura daquelas que analisam os outros dos pés à cabeça, que calculam o potencial de atitude em cada fio de cabelo antes de pensarem na hipótese de atribuir um pouquinho de confiança a um ser humano.
Portanto, para quem acha que ainda sou aquela Renatinha boazinha, coitadinha, tão legal, que ajuda todo mundo, que não se importa em ser a última da fila, que sorri ao levar uma patada, que dá de bom grado o último biscoito do pacote para qualquer um - mantenha distância, pois por dentro eu posso estar me mordendo de raiva e preparando uma pequena vingança inconsciente. Cuidado comigo.
Eu costumava ser uma pessoa boa. Não que hoje eu seja péssima, mas é terrível sentir como a gente endurece mesmo. Não acreditava que isso pudesse acontecer. Achava que minha personalidade da infância e adolescência seria a minha personalidade para sempre. Sei que o íntimo, as convicções, a índole, alma ou o que quer que seja, essas coisas não mudam assim tão rapidamente. Mas são as pequenas atitudes que vão nos transformando em pessoas menos tolerantes, menos pacientes, mais críticas. Hoje eu me forço a ter um impulso que até bem pouco tempo atrás era natural: compreender alguém antes de julgar. Por que essa criatura está sendo tão grossa comigo? Por que é tão invejosa? Por que motivo será que cospe fogo e jamais dá bom dia ou boa noite? Quase nada acontece por acaso, e pouca gente é má ou estúpida de graça. Antes eu compreendia isso instintivamente; hoje, muitas vezes primeiro julgo, depois me arrependo e tento compreender, mas aí já pode ser tarde demais.
Ainda assim, eu vivo repetindo que prefiro ser considerada boboca a desconfiar de tudo e de todos. Prefiro ser passada para trás a decretar que a natureza humana é podre e que, no fundo, todo mundo é mau, muito mau. Mas o problema é que eu estou deixando de ser boboca. Estou me tornando uma criatura daquelas que analisam os outros dos pés à cabeça, que calculam o potencial de atitude em cada fio de cabelo antes de pensarem na hipótese de atribuir um pouquinho de confiança a um ser humano.
Portanto, para quem acha que ainda sou aquela Renatinha boazinha, coitadinha, tão legal, que ajuda todo mundo, que não se importa em ser a última da fila, que sorri ao levar uma patada, que dá de bom grado o último biscoito do pacote para qualquer um - mantenha distância, pois por dentro eu posso estar me mordendo de raiva e preparando uma pequena vingança inconsciente. Cuidado comigo.
terça-feira, fevereiro 21, 2006
Meu encontro com Bono Vox
Fim do ano de 2000. Eu era estagiária. Pedi (ou quase implorei) para a chefe me credenciar para a coletiva de imprensa do U2, que estava no Brasil para divulgar o álbum "All that you can't leave behind" e fazer um showcase para meia dúzia de metidos a besta convidados do Fantástico. Primeiro, fui receber a banda no aeroporto. Eles chegaram pelo outro lado, driblando imprensa e fãs. Fiz uma materinha boba com os alucinados que os esperavam vestidos de U2 da cabeça aos pés, com as meninas do fã-clube que pintaram "U2" nas unhas e se tatuaram, com o perdido que deixou o cabelo crescer, fez um penteado estilo Bono e comprou óculos coloridos iguais aos dele. Dia seguinte, fico sabendo que fui credenciada como fotógrafa, já que o mestre underground Nervoso era nosso repórter oficial de cultura.
Chegamos ao Copacabana Palace. Eu dizendo sou fã, mas não sou tiete, e pensando que tinha a obrigação moral de perguntar alguma coisa na coletiva, qualquer coisa. Mas não fazia idéia do que seria. E estava tensa, sei lá por quê.
Conseguimos sentar mais ou menos na quinta fila do auditório. Subi no palquinho onde eles sentariam e posicionei meu gravador debaixo da boca imaginária de Bono Vox. E parti com minha Mavica, na época ainda uma boa câmera digital, hoje um trambolho ridículo. Quando entrei na salinha, aquele bando de fotógrafos se amontoava em um espaço mínimo, em cima de uma espécie de palanque. Na frente, uma placa de madeira com fundo branco. Eu, grande e de salto, não podia dar um passo à frente sem que aquele enxame reclamasse: "Quem é grande fica atrás!!" Fiquei no meio, encolhidinha. Então anunciaram que eles vinham aí. Bono foi o primeiro a entrar, de preto, sempre, e fazendo um "V" com os dedos da mão direita. Dave Evans, vulgo The Edge, meio tímido, sorridente. Larry Mullen com aquele ar blasé de quem sabe que já nasceu cool. Adam Clayton, a essa altura, confesso, nem consegui perceber.
Eles começaram a fazer aquelas poses: Bono chutando o ar, agachando, The Edge cruzando os braços, Larry jogando na nossa cara o ar de sou foda. Os fotógrafos frenéticos pediam Bono, olha pra cá!, hey Bono!, please smile, The Edge! etc. E sacudiam tanto que metade das minhas fotos ficou tremida. Até que Bono Vox veio andando até nós e pegou a câmera de uma baixinha que estava na frente. Excuse me, e começou a tirar fotos do bando de patetas que estavam lá para tirar fotos dele. Devolveu a câmera à moça, que não sei se ficou feliz por ter sido a escolhida, ou p. da vida por ter perdido fotos que todos teriam.
E eles saíram. E saí eu, correndo para pegá-los a tempo no salão da coletiva. Afinal, todos aqueles fotógrafos podiam ser profissionais e coisa e tal, mas nem todos tinham conseguido duas pulseiras: uma de acesso à area de fotos, outra à da entrevista. Uhuuuuu.
Sentei ao lado do André Nervoso, logo na primeira cadeira no corredor. Contei para o meu pacientíssimo companheiro que tinha acabado de ver o U2 a três metros de distância! Uau! Alguns minutos depois, eles entraram pela lado direito do palco. Foram andando vagarosamente, os repórteres de pé, sabe-se lá se por reverência ou porque se esqueceram de sentar. Então aconteceu. O Boa Voz andou até o meio do palco, mas, em vez de subir e se sentar, virou para o "público" e veio andando. Cumprimentou o pessoal da primeira fileira, How are you doing, ou apenas sorrindo. Quando chegou à quarta fileira da direita, me veio aquele frio na barriga. Gente, ele vai apertar a minha mão! Foi um pouquinho além. Paul Hewson me olhou, dobrou um pouco os joelhos e se abaixou, como as mulheres fazem no meio da quadrilha em festa junina, ou como faziam as damas vitorianas. Um segundo depois ali estava Mr. Paul Hewson pegando na minha mão, e não a apertando como se fosse a de um homem, mas fazendo menção de beijá-la. Chegou bem perto, e, confesso, não consigo lembrar se ele realmente beijou ou se apenas encostou nela. Eu estava em transe. Ele soltou minha mão, sorriu e voltou para o palco. Sentou-se e por acaso mexeu no meu gravador, como se o ajeitasse. Eu não acreditava. E ao mesmo tempo me sentia absolutamente grotesca por ficar tão atônita ao receber um beijo na mão, ou semi-beijo, e uma leve reverência de um cara, que, no final das contas, era só um cara que teve a sorte de ser bom no que faz e ficar famoso. Um ser humano quase como outro qualquer. Quase.
Durante a entrevista, o André me fez levantar a mão para fazer uma pergunta. Eu não tinha idéia do que dizer. Que se dane o jornalismo, eu quero é ir ao show. Tudo o que eu pensava era "Mr. Hewson, would you mind singing In a little while whispering in my ears?", mas achei que não ia pegar bem. Infelizmente, ou graças a Deus, minha vez não chegou (todo mundo queria ser ouvido por Bono Vox) e eu baixei a mão de fininho, sob olhares de protesto do impassível Nervoso, que também não teve vez. Para compensar, a última pergunta foi concedida a um jornalista argentino: "Maradona ou Pelé?", indagou o cidadão. "The best is George Best", mandou o diplomático e simpático The Edge. Risos. Fim.
Quando achei que minha aventurinha havia terminado, outra pequena surpresa. No dia seguinte, tive que ficar de plantão na porta do hotel - por motivos de trabalho, óbvio... Rolava uma história de que eles gravariam um clipe no Rio. Boato confirmado: lá estava o U2, primeiro no terraço, depois na varanda do Copacabana Palace, logo ali, no primeiro andar, com câmeras e poses de videoclipe. Bono cantou um refrão de algo que não era uma música deles, a galera repetiu, enquanto a câmera filmava os fãs e também nos enquadrava, nós, os coadjuvantes jornalistas. Todo mundo crente que ia aparecer de figuração no clipe do U2. Passou um tempo, eles desceram e entraram em uma van na porta do hotel. Eu estava bem perto da janela, e, obviamente, fiquei olhando lá para dentro. Até que ele, meu amigo Paul Hewson, olhou para mim e cutucou The Edge, que sorriu. Larry estava atrás, em seu mundo particular e perfeito, e Adam, mais uma vez, passou desapercebido. Mr. Paul deu então um tchauzinho, tapou a boca com a mão e me mandou um beijo. Achei que não era comigo, olhei para o lado, mas era comigo sim, não era possível...Ri, eles riram, e a van partiu, bem devagar. Eles não olharam de novo, aí já seria demais, e tudo voltou ao normal: U2 lá no estrelato, eu aqui no anonimato. Abestalhada e anônima.
Ao contrário daquela presidente do fã-clube, a menina que tatuou U2 no braço e pintou as unhas, não consegui ir ao showcase. Não apareci no clipe de Walk on. Não fui ao catártico show de ontem, e claro que não estou no Morumbi nesse momento, escrevendo no meu laptop. Mas ainda vou a um show deles, tenho certeza.
Moral da história: Katilce uma ova, eu sou mais eu!
Fim do ano de 2000. Eu era estagiária. Pedi (ou quase implorei) para a chefe me credenciar para a coletiva de imprensa do U2, que estava no Brasil para divulgar o álbum "All that you can't leave behind" e fazer um showcase para meia dúzia de metidos a besta convidados do Fantástico. Primeiro, fui receber a banda no aeroporto. Eles chegaram pelo outro lado, driblando imprensa e fãs. Fiz uma materinha boba com os alucinados que os esperavam vestidos de U2 da cabeça aos pés, com as meninas do fã-clube que pintaram "U2" nas unhas e se tatuaram, com o perdido que deixou o cabelo crescer, fez um penteado estilo Bono e comprou óculos coloridos iguais aos dele. Dia seguinte, fico sabendo que fui credenciada como fotógrafa, já que o mestre underground Nervoso era nosso repórter oficial de cultura.
Chegamos ao Copacabana Palace. Eu dizendo sou fã, mas não sou tiete, e pensando que tinha a obrigação moral de perguntar alguma coisa na coletiva, qualquer coisa. Mas não fazia idéia do que seria. E estava tensa, sei lá por quê.
Conseguimos sentar mais ou menos na quinta fila do auditório. Subi no palquinho onde eles sentariam e posicionei meu gravador debaixo da boca imaginária de Bono Vox. E parti com minha Mavica, na época ainda uma boa câmera digital, hoje um trambolho ridículo. Quando entrei na salinha, aquele bando de fotógrafos se amontoava em um espaço mínimo, em cima de uma espécie de palanque. Na frente, uma placa de madeira com fundo branco. Eu, grande e de salto, não podia dar um passo à frente sem que aquele enxame reclamasse: "Quem é grande fica atrás!!" Fiquei no meio, encolhidinha. Então anunciaram que eles vinham aí. Bono foi o primeiro a entrar, de preto, sempre, e fazendo um "V" com os dedos da mão direita. Dave Evans, vulgo The Edge, meio tímido, sorridente. Larry Mullen com aquele ar blasé de quem sabe que já nasceu cool. Adam Clayton, a essa altura, confesso, nem consegui perceber.
Eles começaram a fazer aquelas poses: Bono chutando o ar, agachando, The Edge cruzando os braços, Larry jogando na nossa cara o ar de sou foda. Os fotógrafos frenéticos pediam Bono, olha pra cá!, hey Bono!, please smile, The Edge! etc. E sacudiam tanto que metade das minhas fotos ficou tremida. Até que Bono Vox veio andando até nós e pegou a câmera de uma baixinha que estava na frente. Excuse me, e começou a tirar fotos do bando de patetas que estavam lá para tirar fotos dele. Devolveu a câmera à moça, que não sei se ficou feliz por ter sido a escolhida, ou p. da vida por ter perdido fotos que todos teriam.
E eles saíram. E saí eu, correndo para pegá-los a tempo no salão da coletiva. Afinal, todos aqueles fotógrafos podiam ser profissionais e coisa e tal, mas nem todos tinham conseguido duas pulseiras: uma de acesso à area de fotos, outra à da entrevista. Uhuuuuu.
Sentei ao lado do André Nervoso, logo na primeira cadeira no corredor. Contei para o meu pacientíssimo companheiro que tinha acabado de ver o U2 a três metros de distância! Uau! Alguns minutos depois, eles entraram pela lado direito do palco. Foram andando vagarosamente, os repórteres de pé, sabe-se lá se por reverência ou porque se esqueceram de sentar. Então aconteceu. O Boa Voz andou até o meio do palco, mas, em vez de subir e se sentar, virou para o "público" e veio andando. Cumprimentou o pessoal da primeira fileira, How are you doing, ou apenas sorrindo. Quando chegou à quarta fileira da direita, me veio aquele frio na barriga. Gente, ele vai apertar a minha mão! Foi um pouquinho além. Paul Hewson me olhou, dobrou um pouco os joelhos e se abaixou, como as mulheres fazem no meio da quadrilha em festa junina, ou como faziam as damas vitorianas. Um segundo depois ali estava Mr. Paul Hewson pegando na minha mão, e não a apertando como se fosse a de um homem, mas fazendo menção de beijá-la. Chegou bem perto, e, confesso, não consigo lembrar se ele realmente beijou ou se apenas encostou nela. Eu estava em transe. Ele soltou minha mão, sorriu e voltou para o palco. Sentou-se e por acaso mexeu no meu gravador, como se o ajeitasse. Eu não acreditava. E ao mesmo tempo me sentia absolutamente grotesca por ficar tão atônita ao receber um beijo na mão, ou semi-beijo, e uma leve reverência de um cara, que, no final das contas, era só um cara que teve a sorte de ser bom no que faz e ficar famoso. Um ser humano quase como outro qualquer. Quase.
Durante a entrevista, o André me fez levantar a mão para fazer uma pergunta. Eu não tinha idéia do que dizer. Que se dane o jornalismo, eu quero é ir ao show. Tudo o que eu pensava era "Mr. Hewson, would you mind singing In a little while whispering in my ears?", mas achei que não ia pegar bem. Infelizmente, ou graças a Deus, minha vez não chegou (todo mundo queria ser ouvido por Bono Vox) e eu baixei a mão de fininho, sob olhares de protesto do impassível Nervoso, que também não teve vez. Para compensar, a última pergunta foi concedida a um jornalista argentino: "Maradona ou Pelé?", indagou o cidadão. "The best is George Best", mandou o diplomático e simpático The Edge. Risos. Fim.
Quando achei que minha aventurinha havia terminado, outra pequena surpresa. No dia seguinte, tive que ficar de plantão na porta do hotel - por motivos de trabalho, óbvio... Rolava uma história de que eles gravariam um clipe no Rio. Boato confirmado: lá estava o U2, primeiro no terraço, depois na varanda do Copacabana Palace, logo ali, no primeiro andar, com câmeras e poses de videoclipe. Bono cantou um refrão de algo que não era uma música deles, a galera repetiu, enquanto a câmera filmava os fãs e também nos enquadrava, nós, os coadjuvantes jornalistas. Todo mundo crente que ia aparecer de figuração no clipe do U2. Passou um tempo, eles desceram e entraram em uma van na porta do hotel. Eu estava bem perto da janela, e, obviamente, fiquei olhando lá para dentro. Até que ele, meu amigo Paul Hewson, olhou para mim e cutucou The Edge, que sorriu. Larry estava atrás, em seu mundo particular e perfeito, e Adam, mais uma vez, passou desapercebido. Mr. Paul deu então um tchauzinho, tapou a boca com a mão e me mandou um beijo. Achei que não era comigo, olhei para o lado, mas era comigo sim, não era possível...Ri, eles riram, e a van partiu, bem devagar. Eles não olharam de novo, aí já seria demais, e tudo voltou ao normal: U2 lá no estrelato, eu aqui no anonimato. Abestalhada e anônima.
Ao contrário daquela presidente do fã-clube, a menina que tatuou U2 no braço e pintou as unhas, não consegui ir ao showcase. Não apareci no clipe de Walk on. Não fui ao catártico show de ontem, e claro que não estou no Morumbi nesse momento, escrevendo no meu laptop. Mas ainda vou a um show deles, tenho certeza.
Moral da história: Katilce uma ova, eu sou mais eu!
segunda-feira, dezembro 19, 2005
O Rio fica a seis horas
e BH não tem praia, eu vou à piscina do Minas, e aqui tenho conhecidos que ainda não são amigos mas ficam cada vez mais gente boa, e aqui não tenho enzima brendase, nem tatiloka, nem sunset cliffs, nem twin, nem o Dois Irmãos, mas tenho uma família dorianna e a Lagoa dos Ingleses. E se aqui não pára de chover, aqui eu vejo cinco episódios de Friends e gargalho ao lado dele, e leio, e estudo, e durmo feliz com os pés quentinhos debaixo do edredon que eu nunca usei em Laranjeiras. Não tem Matriz, nem cobal, nem BG, mas tem ele rindo quando eu faço birra na quadra de tênis, tem ele querendo que eu almoce junto em vez de fazer francês, tem sobrinhos correndo pela sala, tem azulejos amarelos na cozinha e tem uma casa com horta e histórias em cada canto. E nós acreditamos, e rezamos, e dividimos uma pizza, e planejamos, planejamos tudo; e quando chega sábado eu nem lembro da Garcia. E se lá eu tinha um empreguinho num lugar considerado bacana, aqui eu tenho o dia inteiro de tranqüilidade e o trabalho com que há exatamente um ano eu sonhava. Amigos sempre fazem falta, mas eles estão pelo mundo, e eu sei que vou com eles: Istambul, França, Orlando, Itália, Barcelona, San Diego, Chicago, Recreio dos Bandeirantes. Mas o aqui caminha sem pressa, sem sobressaltos e sem agonia - o máximo que posso pedir para 2006 é tanta paz quanto a que tenho hoje. No fundo, acho que lá e aqui, advérbios, dão no mesmo: quem mudou foi o substantivo, o sujeito...Não consigo entristecer ou pensar em reclamar por mais de dois segundos. E se lá eu sentava em qualquer bar com amigos e ria, e conversava sobre coisas inúteis e coisas profundas ainda mais inúteis, aqui eu conto para ele o que eu aprendo, e ele me ajuda a escolher o melhor tênis para correr, e eu peço massagem nos ombros e ele me dá o mundo.
E todos os dias eu percebo que até o que me assustava faz cada vez mais sentido.
e BH não tem praia, eu vou à piscina do Minas, e aqui tenho conhecidos que ainda não são amigos mas ficam cada vez mais gente boa, e aqui não tenho enzima brendase, nem tatiloka, nem sunset cliffs, nem twin, nem o Dois Irmãos, mas tenho uma família dorianna e a Lagoa dos Ingleses. E se aqui não pára de chover, aqui eu vejo cinco episódios de Friends e gargalho ao lado dele, e leio, e estudo, e durmo feliz com os pés quentinhos debaixo do edredon que eu nunca usei em Laranjeiras. Não tem Matriz, nem cobal, nem BG, mas tem ele rindo quando eu faço birra na quadra de tênis, tem ele querendo que eu almoce junto em vez de fazer francês, tem sobrinhos correndo pela sala, tem azulejos amarelos na cozinha e tem uma casa com horta e histórias em cada canto. E nós acreditamos, e rezamos, e dividimos uma pizza, e planejamos, planejamos tudo; e quando chega sábado eu nem lembro da Garcia. E se lá eu tinha um empreguinho num lugar considerado bacana, aqui eu tenho o dia inteiro de tranqüilidade e o trabalho com que há exatamente um ano eu sonhava. Amigos sempre fazem falta, mas eles estão pelo mundo, e eu sei que vou com eles: Istambul, França, Orlando, Itália, Barcelona, San Diego, Chicago, Recreio dos Bandeirantes. Mas o aqui caminha sem pressa, sem sobressaltos e sem agonia - o máximo que posso pedir para 2006 é tanta paz quanto a que tenho hoje. No fundo, acho que lá e aqui, advérbios, dão no mesmo: quem mudou foi o substantivo, o sujeito...Não consigo entristecer ou pensar em reclamar por mais de dois segundos. E se lá eu sentava em qualquer bar com amigos e ria, e conversava sobre coisas inúteis e coisas profundas ainda mais inúteis, aqui eu conto para ele o que eu aprendo, e ele me ajuda a escolher o melhor tênis para correr, e eu peço massagem nos ombros e ele me dá o mundo.
E todos os dias eu percebo que até o que me assustava faz cada vez mais sentido.
quarta-feira, dezembro 14, 2005
Unbelievable
Talvez todos já soubessem, mas só agora eu descobri que o senhor George W. Bush é formado em história por Yale (eu sabia que ele tinha ido pra Yale, onde teve desempenho pífio e bebeu muuuito. Mas história???) .
Além disso, fez MBA em Harvard. E é o primeiro presidente dos EUA com MBA.
Ou seja: apesar dos pesares, ainda prefiro nosso torneiro mecânico.
Talvez todos já soubessem, mas só agora eu descobri que o senhor George W. Bush é formado em história por Yale (eu sabia que ele tinha ido pra Yale, onde teve desempenho pífio e bebeu muuuito. Mas história???) .
Além disso, fez MBA em Harvard. E é o primeiro presidente dos EUA com MBA.
Ou seja: apesar dos pesares, ainda prefiro nosso torneiro mecânico.
terça-feira, agosto 09, 2005
Páreo duro com Mr. Paul Rabbit
Um mês de férias na faculdade. Resolvi tirar a cabeça da miséria e adiantar uns livros da lista infinita. O quarto e último que, depois de tomar coragem, resolvi finalmente pegar, foi o "fenômeno" O Código Da Vinci. Jurei para mim mesma que ia ler sem preconceitos, ler para me divertir mesmo, como eu costumava ler Agatha Christie. Se até o Miguelito gostou, devia ser bom. Estou ligeiramente atrasada, eu sei, o troço estourou faz tempo, mas vou ter que fazer uns comentários aqui.
O cara é engenhoso, isso temos que admitir. Ele faz um mosaico que aos poucos vai se montando e (quase) fazendo sentido. Agora, dizer que é bem escrito, como ouvi por aí, é um baita exagero. Encarar Dan Brown depois de ler Cem anos de solidão é dose. A impressão que tive é que estava lendo um roteiro de cinema (californiano). Mais: que o roteiro tinha sido baseado no Google e em meia dúzia de best-sellers polêmicos anteriores. Mas o pior foi se revelando aos poucos. A "pesquisa" dele tem muita cara de google puro. Ele erra ABSURDAMENTE.
Para começar, ele resolve falar de obras de arte e da Bíblia, mas parece não saber o básico de algumas obras que cita e nem ter sequer folheado as Escrituras. Ainda por cima, comete erros históricos graves - tão graves que até eu detectei alguns em segundos. Por exemplo: ele cita algumas vezes que o Vaticano fez isso ou aquilo no século IV depois de Cristo, ou nos primeiros séculos da Igreja primitiva. Alguém avise a ele que nessa época o "Vaticano" ainda NÃO EXISTIA. Mais: não se cansa de repetir que "Eva comeu a maçã". Dan andou lendo Branca de Neve, porque o Gênese diz "fruto da árvore do conhecimento". A maçã é fruto do imaginário popular, e, portanto, se o eruditíssimo Langdon é um grande conhecedor dos textos sagrados e coisa e tal, não pode ficar falando de maçã.
Outro "detalhe", esse bem, bem feioso: Dan Brown diz que, em 325, Constantino unificou Roma sob uma única religião oficial, o Cristianismo. Aloouuuu, quem oficializou o Cristianismo como religião do Império foi Teodósio, mais de meio século depois! O que Constantino fez foi decretar a liberdade de culto, e assim diminuir as perseguições aos cristãos (e a outros). Gente, se o cara faz um livro colocando falas na boca de supostos eruditos, que explicam os maiores mistérios do mundo, mas não leu nem um livrinho de segundo grau sobre o Império Romano, dá para acreditar em alguma coisa do que ele apresenta como verdade (mesmo que seja na boca de personagens)?? Nesses momentos confesso que achei o livro meio ridículo, de tão pretensioso.
Engraçado também é um furo sobre uma peça primordial do quebra-cabeça. Fica clara a defesa da tese da adoração à deusa, ao "sagrado feminino". A "deusa" seria Maria Madalena. Ao mesmo tempo, ele diz que os evangelhos apócrifos foram proibidos porque humanizam tanto Jesus que põem em dúvida a divindade dele. Porém, Maria Madalena seria sagrada porque...concebeu uma filha de Jesus! Mas, vem cá, se Jesus não era divino, como a divindade de Madalena adviria deste fato?? É só parar para pensar: não faz sentido. Mais uma vez, o tema aqui não é religião. É lógica, um dos alicerces em que ele pretende basear o livro.
Agora, antes que vocês perguntem, vamos a uns pequenos pormenores bem simples em relação às obras de arte, que, obviamente, não fui euzinha que percebi. O quadro de Caravaggio que Jacques Saunière, o curador do Louvre mortalmente ferido, levanta da parede, pesa quase 100 Kg; o quadro A dama dos rochedos, de Da Vinci, cuja tela Sophie Neveu ameaça rasgar com o joelho, foi pintado em madeira, ou seja, não tem tela. Esses detalhes que tornam inconcebíveis as palavras de Dan Brown foram apontados pelo Mario Sergio Conti num artigo no Estadão. Simplesmente Brown resolve elucidar o que Leonardo da Vinci pensava ao pintar suas obras, mas não fez nem o dever de casa pra saber se ele pintou em tela ou madeira. Lastimável.
Existem ainda muitos, mas muitos erros e falsidades no livro. Como não sou nenhuma intelectual, algumas coisas eu só desconfiava de que deviam estar erradas, mas meu letradíssimo sogro esclareceu várias dúvidas. Escolhi algumas das inúmeras para contar aqui.
-- Ele afirma que os merovíngios foram os fundadores de Paris. Só que a cidade foi fundada por uma tribo celta de gauleses chamada, em latim, de Parisii, no século II a.C. O que os merovíngios fizeram foi escolher Paris como capital em 508 d.C. Dan Brown errou somente 800 anos, além da responsabilidade pela fundação.
-- Diz que os manuscritos do Mar Morto foram descobertos em 1950 e que contêm a verdadeira história do Santo Graal. Eles foram descobertos em 1947 e são documentos dos essênios, seita judaica, e não contêm nenhuma menção a Jesus ou a Maria Madalena.
-- Pior: ele afirma (inventa) que Maria Madalena foi proscrita pela Igreja, a qual proibiu que se tocasse no nome dela, e que hoje ela está presente apenas em "mensagens subliminares" em obras de arte, músicas ou obras de Walt Disney (Mickey Mouse, aliás, parece ser, ao lado de Da Vinci, o maior defensor de Maria Madalena e do "sagrado feminino", segundo Brown). Novamente, peço para alguém avisar a ele que a Igreja a celebra como santa e que Maria Madalena é uma das poucas pessoas invocadas na Ladainha de Todos os Santos. E, ainda, há passagens no Novo Testamento (será que ele se deu ao trabalho de ler algum evangelho?) em que Madalena é abertamente exaltada.
-- Outro erro grotesco: ele diz que os judeus cultuavam uma deusa no Templo de Jerusalém, a shekinah. Shekinah não é nome de deusa, mas sim a designação que os rabinos davam à presença de Deus (Iaweh) junto ao seu povo.
-- Brown afirma que os evangelhos apócrifos contariam a "verdadeira história de Jesus", testemunhando que fora casado com Maria Madalena e que havia correntes cristãs que mantinham o culto ao "sagrado feminino". Mas obviamente omite o fato de que estes mesmos apócrifos (os quais foram escritos entre os séculos II e IV - alguns por seitas gnósticas -, ao passo que os Evangelhos do Novo Testamento foram escritos de 70 a 95 d.C., poucas décadas depois da morte de Cristo) reveladores provinham de ambientes que nós classificaríamos como machistas e continham textos nada agradáveis ao "sagrado feminino" e à "deusa". Eis um trecho do apócrifo de Tomé (114):
"Simão Pedro lhes disse: 'Que Maria saia de nosso meio, pois as mulheres não são dignas da Vida.' Jesus disse: 'Eis que vou guiá-la para torná-la macho, para que ela se torne também espírito vivo semelhante a vós, machos. Pois toda mulher que se fizer macho entrará no reino dos Céus." Uau, o sagrado feminino bomba nos apócrifos!
Enquanto as "verdades" de Dan Brown são envoltas numa aura de mistério, essas poucas informações que estão aqui são verificáveis. Basta quem estiver a fim pegar livros de História, a própria Bíblia, estudos especializados de história religiosa...Gente, até os apócrifos podem ser lidos! Não precisa ir até os...tchanraannn...Arquivos Secretos do Vaticano!
Enfim, se você ler o livro como uma completa ficção, pode até ser legal. Realmente diverte, prende a atenção, como um livro policial ou um filme com o Morgan Freeman. Mas se você ler acreditando no que Dan Brown põe na boca de seus pseudoespecialistas Robert Langdon e Leigh Teabing, amigão, você estará adentrando num mar de ignorância disfarçada com uma pretensiosa aura intelectualóide. Se quer ler boa ficção sobre "mistérios da Igreja", vá de O nome da Rosa. Mas, policial por policial, ainda prefiro a humildade de Miss Marple e Hercule Poirot.
P.S. - Se alguma alma curiosa se interessar, tenho uma análise com muito mais informações sobre as maluquices do Uncle Dan - inclusive a desconstrução da lenda medieval do Santo Graal, meio grande para postar aqui.
P.S.2 - "P.S." na igreja de Saint-Sulpice não significa "Priorado de Sião", mas sim Pierre e Sulpice, os patronos do templo. E o destrinchamento da sensacional história da carochinha do Priorado também está disponível para quem se interessar.
Aquele abraço.
Um mês de férias na faculdade. Resolvi tirar a cabeça da miséria e adiantar uns livros da lista infinita. O quarto e último que, depois de tomar coragem, resolvi finalmente pegar, foi o "fenômeno" O Código Da Vinci. Jurei para mim mesma que ia ler sem preconceitos, ler para me divertir mesmo, como eu costumava ler Agatha Christie. Se até o Miguelito gostou, devia ser bom. Estou ligeiramente atrasada, eu sei, o troço estourou faz tempo, mas vou ter que fazer uns comentários aqui.
O cara é engenhoso, isso temos que admitir. Ele faz um mosaico que aos poucos vai se montando e (quase) fazendo sentido. Agora, dizer que é bem escrito, como ouvi por aí, é um baita exagero. Encarar Dan Brown depois de ler Cem anos de solidão é dose. A impressão que tive é que estava lendo um roteiro de cinema (californiano). Mais: que o roteiro tinha sido baseado no Google e em meia dúzia de best-sellers polêmicos anteriores. Mas o pior foi se revelando aos poucos. A "pesquisa" dele tem muita cara de google puro. Ele erra ABSURDAMENTE.
Para começar, ele resolve falar de obras de arte e da Bíblia, mas parece não saber o básico de algumas obras que cita e nem ter sequer folheado as Escrituras. Ainda por cima, comete erros históricos graves - tão graves que até eu detectei alguns em segundos. Por exemplo: ele cita algumas vezes que o Vaticano fez isso ou aquilo no século IV depois de Cristo, ou nos primeiros séculos da Igreja primitiva. Alguém avise a ele que nessa época o "Vaticano" ainda NÃO EXISTIA. Mais: não se cansa de repetir que "Eva comeu a maçã". Dan andou lendo Branca de Neve, porque o Gênese diz "fruto da árvore do conhecimento". A maçã é fruto do imaginário popular, e, portanto, se o eruditíssimo Langdon é um grande conhecedor dos textos sagrados e coisa e tal, não pode ficar falando de maçã.
Outro "detalhe", esse bem, bem feioso: Dan Brown diz que, em 325, Constantino unificou Roma sob uma única religião oficial, o Cristianismo. Aloouuuu, quem oficializou o Cristianismo como religião do Império foi Teodósio, mais de meio século depois! O que Constantino fez foi decretar a liberdade de culto, e assim diminuir as perseguições aos cristãos (e a outros). Gente, se o cara faz um livro colocando falas na boca de supostos eruditos, que explicam os maiores mistérios do mundo, mas não leu nem um livrinho de segundo grau sobre o Império Romano, dá para acreditar em alguma coisa do que ele apresenta como verdade (mesmo que seja na boca de personagens)?? Nesses momentos confesso que achei o livro meio ridículo, de tão pretensioso.
Engraçado também é um furo sobre uma peça primordial do quebra-cabeça. Fica clara a defesa da tese da adoração à deusa, ao "sagrado feminino". A "deusa" seria Maria Madalena. Ao mesmo tempo, ele diz que os evangelhos apócrifos foram proibidos porque humanizam tanto Jesus que põem em dúvida a divindade dele. Porém, Maria Madalena seria sagrada porque...concebeu uma filha de Jesus! Mas, vem cá, se Jesus não era divino, como a divindade de Madalena adviria deste fato?? É só parar para pensar: não faz sentido. Mais uma vez, o tema aqui não é religião. É lógica, um dos alicerces em que ele pretende basear o livro.
Agora, antes que vocês perguntem, vamos a uns pequenos pormenores bem simples em relação às obras de arte, que, obviamente, não fui euzinha que percebi. O quadro de Caravaggio que Jacques Saunière, o curador do Louvre mortalmente ferido, levanta da parede, pesa quase 100 Kg; o quadro A dama dos rochedos, de Da Vinci, cuja tela Sophie Neveu ameaça rasgar com o joelho, foi pintado em madeira, ou seja, não tem tela. Esses detalhes que tornam inconcebíveis as palavras de Dan Brown foram apontados pelo Mario Sergio Conti num artigo no Estadão. Simplesmente Brown resolve elucidar o que Leonardo da Vinci pensava ao pintar suas obras, mas não fez nem o dever de casa pra saber se ele pintou em tela ou madeira. Lastimável.
Existem ainda muitos, mas muitos erros e falsidades no livro. Como não sou nenhuma intelectual, algumas coisas eu só desconfiava de que deviam estar erradas, mas meu letradíssimo sogro esclareceu várias dúvidas. Escolhi algumas das inúmeras para contar aqui.
-- Ele afirma que os merovíngios foram os fundadores de Paris. Só que a cidade foi fundada por uma tribo celta de gauleses chamada, em latim, de Parisii, no século II a.C. O que os merovíngios fizeram foi escolher Paris como capital em 508 d.C. Dan Brown errou somente 800 anos, além da responsabilidade pela fundação.
-- Diz que os manuscritos do Mar Morto foram descobertos em 1950 e que contêm a verdadeira história do Santo Graal. Eles foram descobertos em 1947 e são documentos dos essênios, seita judaica, e não contêm nenhuma menção a Jesus ou a Maria Madalena.
-- Pior: ele afirma (inventa) que Maria Madalena foi proscrita pela Igreja, a qual proibiu que se tocasse no nome dela, e que hoje ela está presente apenas em "mensagens subliminares" em obras de arte, músicas ou obras de Walt Disney (Mickey Mouse, aliás, parece ser, ao lado de Da Vinci, o maior defensor de Maria Madalena e do "sagrado feminino", segundo Brown). Novamente, peço para alguém avisar a ele que a Igreja a celebra como santa e que Maria Madalena é uma das poucas pessoas invocadas na Ladainha de Todos os Santos. E, ainda, há passagens no Novo Testamento (será que ele se deu ao trabalho de ler algum evangelho?) em que Madalena é abertamente exaltada.
-- Outro erro grotesco: ele diz que os judeus cultuavam uma deusa no Templo de Jerusalém, a shekinah. Shekinah não é nome de deusa, mas sim a designação que os rabinos davam à presença de Deus (Iaweh) junto ao seu povo.
-- Brown afirma que os evangelhos apócrifos contariam a "verdadeira história de Jesus", testemunhando que fora casado com Maria Madalena e que havia correntes cristãs que mantinham o culto ao "sagrado feminino". Mas obviamente omite o fato de que estes mesmos apócrifos (os quais foram escritos entre os séculos II e IV - alguns por seitas gnósticas -, ao passo que os Evangelhos do Novo Testamento foram escritos de 70 a 95 d.C., poucas décadas depois da morte de Cristo) reveladores provinham de ambientes que nós classificaríamos como machistas e continham textos nada agradáveis ao "sagrado feminino" e à "deusa". Eis um trecho do apócrifo de Tomé (114):
"Simão Pedro lhes disse: 'Que Maria saia de nosso meio, pois as mulheres não são dignas da Vida.' Jesus disse: 'Eis que vou guiá-la para torná-la macho, para que ela se torne também espírito vivo semelhante a vós, machos. Pois toda mulher que se fizer macho entrará no reino dos Céus." Uau, o sagrado feminino bomba nos apócrifos!
Enquanto as "verdades" de Dan Brown são envoltas numa aura de mistério, essas poucas informações que estão aqui são verificáveis. Basta quem estiver a fim pegar livros de História, a própria Bíblia, estudos especializados de história religiosa...Gente, até os apócrifos podem ser lidos! Não precisa ir até os...tchanraannn...Arquivos Secretos do Vaticano!
Enfim, se você ler o livro como uma completa ficção, pode até ser legal. Realmente diverte, prende a atenção, como um livro policial ou um filme com o Morgan Freeman. Mas se você ler acreditando no que Dan Brown põe na boca de seus pseudoespecialistas Robert Langdon e Leigh Teabing, amigão, você estará adentrando num mar de ignorância disfarçada com uma pretensiosa aura intelectualóide. Se quer ler boa ficção sobre "mistérios da Igreja", vá de O nome da Rosa. Mas, policial por policial, ainda prefiro a humildade de Miss Marple e Hercule Poirot.
P.S. - Se alguma alma curiosa se interessar, tenho uma análise com muito mais informações sobre as maluquices do Uncle Dan - inclusive a desconstrução da lenda medieval do Santo Graal, meio grande para postar aqui.
P.S.2 - "P.S." na igreja de Saint-Sulpice não significa "Priorado de Sião", mas sim Pierre e Sulpice, os patronos do templo. E o destrinchamento da sensacional história da carochinha do Priorado também está disponível para quem se interessar.
Aquele abraço.
quinta-feira, julho 07, 2005
Se vocês me deixarem,
paro sob a luz e
obscureço;
vou depressa abnegar o presente,
protestar contra o típico,
desprezar o útil;
vou esquecer a história
e colecionar metáforas.
Escrever no escuro,
pensar poeticamente
como pensam os analfabetos
e acham que pensam os arrogantes;
vou usar a linguagem
do tamanho da imaginação
de quem escolhe
flutuar a aprender
algo que leve a dizer:
Sou alguém.
(Se tivessem suas vidas sido boas,
vocês saberiam de cor
seus próprios poemas
e não teriam função nem sentido,
mas seriam únicos
e, talvez,
ficassem hoje
à vontade.)
Se vocês me deixarem,
prefiro não me reconhecer
nessa corja feliz;
nada, porém, me impede de escrever
com uma vara de pesca
que me faça
escolher as palavras.
Como se eu pudesse
descer ao fundo do mar
com os olhos fechados
e assim mesmo
deslizar pelos corais
e voltar à tona
com as mãos e a mente
cheias de pérolas.
paro sob a luz e
obscureço;
vou depressa abnegar o presente,
protestar contra o típico,
desprezar o útil;
vou esquecer a história
e colecionar metáforas.
Escrever no escuro,
pensar poeticamente
como pensam os analfabetos
e acham que pensam os arrogantes;
vou usar a linguagem
do tamanho da imaginação
de quem escolhe
flutuar a aprender
algo que leve a dizer:
Sou alguém.
(Se tivessem suas vidas sido boas,
vocês saberiam de cor
seus próprios poemas
e não teriam função nem sentido,
mas seriam únicos
e, talvez,
ficassem hoje
à vontade.)
Se vocês me deixarem,
prefiro não me reconhecer
nessa corja feliz;
nada, porém, me impede de escrever
com uma vara de pesca
que me faça
escolher as palavras.
Como se eu pudesse
descer ao fundo do mar
com os olhos fechados
e assim mesmo
deslizar pelos corais
e voltar à tona
com as mãos e a mente
cheias de pérolas.
quinta-feira, junho 09, 2005
Você acaba de perder a sua última chance de me conquistar
Tudo bem que eu tenho quase 400 amigos no Orkut. E que eu realmente conheço muita gente. E que, se eu "qui$er" viajar, tenho lugar pra ficar em muitas partes do Brasil e na Califórnia, Washington, Chicago, Flórida, Tennessee, Itália, Eslovênia, Croácia, Holanda, Argentina, França, Espanha e por aí vai. E tudo bem que sempre esbarro com gente conhecida, recebo e-mails saudosos e cartões de Natal (ainda existe gente fofa que manda cartão de Natal).
Pessoas, eu tenho inclusive uma comunidade no Orkut, "Amamos a Renatinha", com fiéis 20 participantes. A descrição diz que eu sou "super querida, amável, adorável, liiinda, amiga, companheira, carinhosa, alegre, brincalhona, inteligente, esperta, mulequinha, irmã, dedicada...etc etc etc!!" Uma formosura.
Mas a verdade é que eu acho que parei por aqui. Já estou bem de amigos e nunca mais vou conhecer alguém que eu possa mesmo chamar de "amigão". Tenho a impressão de que estourei a cota. Desperdicei alguns amigos por não dar a eles a devida atenção, ganhei outros por insistência (minha ou deles) e outros ainda apareceram assim, inesperadamente, e se transformaram em seres essenciais em poucos dias ou poucas horas.
Daqui para frente, porém, nada disso vai acontecer. Não é uma profecia auto-realizável - eu não vou parar de me comunicar e de me esforçar para vencer a timidez e distribuir simpatia. Nem tenho absolutamente nada contra os mineiros e mineiras. E não venham com essa de que, porque casei, vou virar um repolho anti-social. É uma sensação, uma constatação quase sobrenatural: grandes e eternos amigos não vão mais surgir na minha vida. Simples assim.
Afinal, mesmo com 400 "friends" no Orkut, teve um domingo em que eu queria ir ao cinema e NINGUÉM podia. E olha que eu estava no Rio...Ainda no Yakult, esses dias percebi algo estranho: alguém deixou de me amar. A comunidade que se declara à minha pessoa passou de 21 para 20 integrantes da noite para o dia. E jamais saberei quem desistiu de me amar.
Então: que diferença vai fazer se minha cota de amizades fortes tiver mesmo terminado? Se minha soulmate mora na Califórnia, minhas amigonas vivem indo para França, Espanha, Esteites ou trabalham 78 horas por dia, e mesmo assim nos vemos, nos amamos (sem precisar de comunidades) nos escrevemos e temos crises de risos à toa, que diferença vai fazer se eu morar em Belo Horizonte ou em qualquer outro lugar e não fizer mais grandes amigos??
Acabou. Quem conquistou, conquistou, quem não conquistou, não conquista mais. E tá bom assim.
Tudo bem que eu tenho quase 400 amigos no Orkut. E que eu realmente conheço muita gente. E que, se eu "qui$er" viajar, tenho lugar pra ficar em muitas partes do Brasil e na Califórnia, Washington, Chicago, Flórida, Tennessee, Itália, Eslovênia, Croácia, Holanda, Argentina, França, Espanha e por aí vai. E tudo bem que sempre esbarro com gente conhecida, recebo e-mails saudosos e cartões de Natal (ainda existe gente fofa que manda cartão de Natal).
Pessoas, eu tenho inclusive uma comunidade no Orkut, "Amamos a Renatinha", com fiéis 20 participantes. A descrição diz que eu sou "super querida, amável, adorável, liiinda, amiga, companheira, carinhosa, alegre, brincalhona, inteligente, esperta, mulequinha, irmã, dedicada...etc etc etc!!" Uma formosura.
Mas a verdade é que eu acho que parei por aqui. Já estou bem de amigos e nunca mais vou conhecer alguém que eu possa mesmo chamar de "amigão". Tenho a impressão de que estourei a cota. Desperdicei alguns amigos por não dar a eles a devida atenção, ganhei outros por insistência (minha ou deles) e outros ainda apareceram assim, inesperadamente, e se transformaram em seres essenciais em poucos dias ou poucas horas.
Daqui para frente, porém, nada disso vai acontecer. Não é uma profecia auto-realizável - eu não vou parar de me comunicar e de me esforçar para vencer a timidez e distribuir simpatia. Nem tenho absolutamente nada contra os mineiros e mineiras. E não venham com essa de que, porque casei, vou virar um repolho anti-social. É uma sensação, uma constatação quase sobrenatural: grandes e eternos amigos não vão mais surgir na minha vida. Simples assim.
Afinal, mesmo com 400 "friends" no Orkut, teve um domingo em que eu queria ir ao cinema e NINGUÉM podia. E olha que eu estava no Rio...Ainda no Yakult, esses dias percebi algo estranho: alguém deixou de me amar. A comunidade que se declara à minha pessoa passou de 21 para 20 integrantes da noite para o dia. E jamais saberei quem desistiu de me amar.
Então: que diferença vai fazer se minha cota de amizades fortes tiver mesmo terminado? Se minha soulmate mora na Califórnia, minhas amigonas vivem indo para França, Espanha, Esteites ou trabalham 78 horas por dia, e mesmo assim nos vemos, nos amamos (sem precisar de comunidades) nos escrevemos e temos crises de risos à toa, que diferença vai fazer se eu morar em Belo Horizonte ou em qualquer outro lugar e não fizer mais grandes amigos??
Acabou. Quem conquistou, conquistou, quem não conquistou, não conquista mais. E tá bom assim.
terça-feira, abril 12, 2005
Uma opinião (publicação não autorizada)
"Sobre o Papa, gostava dele sim. E sei que não não era santo. Mas também nunca achei que deveria ser. É óbvio que existe toda uma política envolvida nas questões do Vaticano, é lógico que o Papa não é apenas uma autoridade eclesiástica e é claro que a Igreja tem um certo poder e algumas vezes comete erros, sim.
Mas isso não fazia dele um ditador, ou quase um anti-Cristo, como algumas pessoas parecem fazer crer. Mas faz algum tempo que eu não me importo mais com os anti-católicos. Nós já vimos celeumas parecidas no seu blog, e é sempre a mesma coisa, as mesmas criticazinhas infantis. Repare que são sempre os mesmos temas: ah, não deixa usar camisinha. ah, é contra o aborto. ah, a Igreja é rica. ah, não deixam padre casar. ah, a Igreja isso e aquilo.
E ainda dizem que o Papa faz as pessoas menos esclarecidas não se protegerem e essas bobajadas todas. Falando sério, se essas pessoas realmente obedecessem ao que o Papa diz, casariam virgens e não cometeriam adultério. Diminuiria em uns 60% a propagação da Aids!!! Ninguém é obrigado a ser católico e mesmo nós católicos sabemos que não seguimos tudo que mandam à risca. Mas não se pode querer que a Igreja pregue coisas que vão de encontro à sua própria doutrina!!!
O problema, eu acho, é que as pessoas confundem a Igreja Católica instituição, com tudo que a envolve, com a Igreja que eu, você e milhões de católicos levam dentro de si, que é a Igreja do Deus vivo. É o que chamamos Fé. E isso é um desrespeito. Como seria um desrespeito da minha parte confundir islamismo com terrorismo, ou o judaismo com terrorismo de Estado. Aliás, isso é mais ou menos o que certas pessoas fazem quando se referem às Cruzadas. Penso que se essas pessoas vivessem no ano 2.505, atacariam os muçulmanos da época citando a Jihad de hoje em dia.
Mas essas críticas vêm de pessoas que não têm a menor idéia do que realmente é a Igreja. Hoje em dia, quando escuto alguma besteira desse tipo eu já nem me importo mais, sabe? Na boa, falar mal do Papa é in, né? Essas pessoas acham que são antenadas e rebeldes, mas não estão fazendo nada além de seguir o status quo. É como fumar maconha e se achar transgressor. Patético, eu diria. Corajoso é ser católico e careta, eheh.
Putz, escrevi pra caramba.
Beijos,
X."
"Sobre o Papa, gostava dele sim. E sei que não não era santo. Mas também nunca achei que deveria ser. É óbvio que existe toda uma política envolvida nas questões do Vaticano, é lógico que o Papa não é apenas uma autoridade eclesiástica e é claro que a Igreja tem um certo poder e algumas vezes comete erros, sim.
Mas isso não fazia dele um ditador, ou quase um anti-Cristo, como algumas pessoas parecem fazer crer. Mas faz algum tempo que eu não me importo mais com os anti-católicos. Nós já vimos celeumas parecidas no seu blog, e é sempre a mesma coisa, as mesmas criticazinhas infantis. Repare que são sempre os mesmos temas: ah, não deixa usar camisinha. ah, é contra o aborto. ah, a Igreja é rica. ah, não deixam padre casar. ah, a Igreja isso e aquilo.
E ainda dizem que o Papa faz as pessoas menos esclarecidas não se protegerem e essas bobajadas todas. Falando sério, se essas pessoas realmente obedecessem ao que o Papa diz, casariam virgens e não cometeriam adultério. Diminuiria em uns 60% a propagação da Aids!!! Ninguém é obrigado a ser católico e mesmo nós católicos sabemos que não seguimos tudo que mandam à risca. Mas não se pode querer que a Igreja pregue coisas que vão de encontro à sua própria doutrina!!!
O problema, eu acho, é que as pessoas confundem a Igreja Católica instituição, com tudo que a envolve, com a Igreja que eu, você e milhões de católicos levam dentro de si, que é a Igreja do Deus vivo. É o que chamamos Fé. E isso é um desrespeito. Como seria um desrespeito da minha parte confundir islamismo com terrorismo, ou o judaismo com terrorismo de Estado. Aliás, isso é mais ou menos o que certas pessoas fazem quando se referem às Cruzadas. Penso que se essas pessoas vivessem no ano 2.505, atacariam os muçulmanos da época citando a Jihad de hoje em dia.
Mas essas críticas vêm de pessoas que não têm a menor idéia do que realmente é a Igreja. Hoje em dia, quando escuto alguma besteira desse tipo eu já nem me importo mais, sabe? Na boa, falar mal do Papa é in, né? Essas pessoas acham que são antenadas e rebeldes, mas não estão fazendo nada além de seguir o status quo. É como fumar maconha e se achar transgressor. Patético, eu diria. Corajoso é ser católico e careta, eheh.
Putz, escrevi pra caramba.
Beijos,
X."
quinta-feira, fevereiro 03, 2005
Mulheres de Minas
Elas são diferentes. Seus "sssssssss" soam esnobes e ecoam em todos os lugares, bem distintos dos "xxxxxx" preguiçosos das malandrosas cariocas. A porcentagem de saltos altos e cabelos lisos de chapinha é certamente superior à do Rio, igualável apenas às tchutchucas da Barra. Diria até que essas moças são moradoras de uma grande Barra da Tijuca, menos loura e pretensiosa, mais natural e provinciana. (As morenas mineiras, aliás, são lindas. A fama do estado deve-se a elas.)
Andar de havaianas na rua, nem pensar; no shopping, muito menos. E o mais incrível: no churrasco, chinelos não entram. Na maioria das vezes, nem o pobre biquíni entra. As mineiras não perdem a pose em hipótese alguma. Churrascão de fim de semana, piscina limpinha, mansão de frente para o lago, gramado enorme, cerveja, sol, e eis o que acontece aqui nessas paragens: os homens caem na água, jogam futebol de sunga, vôlei na piscina, bebem, ficam descalços e comem horrores. Já as fêmeas, cada vez que precisam se levantar (provavelmente parar irem ao banheiro ajeitar os cabelos impecáveis) lutam - sempre com classe - para se equilibrar em seus saltos agulha. As calças e saias jeans (Vide Bula e Zoomp, provavelmente) são completadas por variações de batas (as blusas da moda também aqui), rímel nos olhos, batom, cabelos chapados, bolsa arrumada, em geral de couro, combinando com o sapato e às vezes com o cinto, e brincões escolhidos a dedo. (Só consigo pensar, com minhas havaianas e rabo de cavalo: por favorrrrrrr, quem usa CINTO em churrasco???) Enquanto os rapazes jogam pelada, elas conversam, sabe Deus sobre o quê. Comem pouco, óbvio, mas avançam discretamente o sinal na hora de atacar um docinho.
Piscina, vôlei, futebol, banho de chuva, dançar, comer carne com a mão, caipirinha, "eu nunca", batucada, pés na grama, gargalhadas escandalosas: palavras que não fazem a menor falta a esses admiráveis seres, que conseguem ficar na sombrinha a tarde inteira. Segundo meu antropólogo involuntário particular, elas não se sentem à vontade para irem à piscina e adjacências porque têm vergonha de seus corpos. Parecem magras, mas talvez não estejam acostumadas a exibirem suas celulites (elas as têm?) na praia todo sábado e domingo...Resta-me realizar averiguações futuras na piscina do Minas Tênis Clube, que, dizem, bomba no fim de semana.
Mas o mais intrigante é que elas são gente boa. Mais do que educadas, acabam sendo calorosas - não do jeito esculacho-carioca, mas à sua própria maneira. Gostam de conversar (o sotaque molengo das mais afetadas é irritante, mas o meu também deve ser para elas, então estamos quites), quase não falam palavrão e não deixam suas gírias (elas existem?) à mostra. Apesar da aparência um pouco esnobe de quem não perde a pose nem na bebedeira, elas são legais demaissssss da conta.
Elas são diferentes. Seus "sssssssss" soam esnobes e ecoam em todos os lugares, bem distintos dos "xxxxxx" preguiçosos das malandrosas cariocas. A porcentagem de saltos altos e cabelos lisos de chapinha é certamente superior à do Rio, igualável apenas às tchutchucas da Barra. Diria até que essas moças são moradoras de uma grande Barra da Tijuca, menos loura e pretensiosa, mais natural e provinciana. (As morenas mineiras, aliás, são lindas. A fama do estado deve-se a elas.)
Andar de havaianas na rua, nem pensar; no shopping, muito menos. E o mais incrível: no churrasco, chinelos não entram. Na maioria das vezes, nem o pobre biquíni entra. As mineiras não perdem a pose em hipótese alguma. Churrascão de fim de semana, piscina limpinha, mansão de frente para o lago, gramado enorme, cerveja, sol, e eis o que acontece aqui nessas paragens: os homens caem na água, jogam futebol de sunga, vôlei na piscina, bebem, ficam descalços e comem horrores. Já as fêmeas, cada vez que precisam se levantar (provavelmente parar irem ao banheiro ajeitar os cabelos impecáveis) lutam - sempre com classe - para se equilibrar em seus saltos agulha. As calças e saias jeans (Vide Bula e Zoomp, provavelmente) são completadas por variações de batas (as blusas da moda também aqui), rímel nos olhos, batom, cabelos chapados, bolsa arrumada, em geral de couro, combinando com o sapato e às vezes com o cinto, e brincões escolhidos a dedo. (Só consigo pensar, com minhas havaianas e rabo de cavalo: por favorrrrrrr, quem usa CINTO em churrasco???) Enquanto os rapazes jogam pelada, elas conversam, sabe Deus sobre o quê. Comem pouco, óbvio, mas avançam discretamente o sinal na hora de atacar um docinho.
Piscina, vôlei, futebol, banho de chuva, dançar, comer carne com a mão, caipirinha, "eu nunca", batucada, pés na grama, gargalhadas escandalosas: palavras que não fazem a menor falta a esses admiráveis seres, que conseguem ficar na sombrinha a tarde inteira. Segundo meu antropólogo involuntário particular, elas não se sentem à vontade para irem à piscina e adjacências porque têm vergonha de seus corpos. Parecem magras, mas talvez não estejam acostumadas a exibirem suas celulites (elas as têm?) na praia todo sábado e domingo...Resta-me realizar averiguações futuras na piscina do Minas Tênis Clube, que, dizem, bomba no fim de semana.
Mas o mais intrigante é que elas são gente boa. Mais do que educadas, acabam sendo calorosas - não do jeito esculacho-carioca, mas à sua própria maneira. Gostam de conversar (o sotaque molengo das mais afetadas é irritante, mas o meu também deve ser para elas, então estamos quites), quase não falam palavrão e não deixam suas gírias (elas existem?) à mostra. Apesar da aparência um pouco esnobe de quem não perde a pose nem na bebedeira, elas são legais demaissssss da conta.
terça-feira, novembro 30, 2004
Lá em casa tem um poço mas a água é muito limpa
Quando em poucos meses nada menos do que seis pessoas surgem com o mesmo tipo de problema de saúde você começa a pensar: algo está acontecendo. Ou será que sempre esteve acontecendo, e só você não enxergava?
É difícil não encarar enfermidades e mesmo a sombra da morte como algo cruel. Por mais que tenhamos fé, cada um a seu modo. Nesses momentos vejo dois padrões (óbvios) de conseqüências: a fé da pessoa vítima e de sua família aumenta vertiginosamente (ou mesmo vem à tona pela primeira vez), e surge uma atitude de reflexão, de repensar a vida, uma reavaliação de prioridades, revisão de valores ou seja lá como se chama esse sentimento de que todo mundo está fazendo tudo errado.
A doença e o vislumbre da proximidade da nossa única certeza - a morte - são tristes por essência, em qualquer idade, em qualquer pessoa. Por mais que sua avó tenha 103 anos, você vai ficar abatido quando ela se for e vai desejar que ela tivesse vivido até os 104. Ou pelo menos mais um dia.
Mas nada muda o fato de que é muito cruel ver pessoas jovens e aparentemente saudáveis virem seu mundo virar de cabeça para baixo quando se deparam com o sofrimento, a dor, o medo de que aquele pesadelo não vá embora pela manhã, porque na verdade ele não é um pesadelo e o mundo é assim mesmo: num dia está tudo bem, no outro você pode quase morrer.
Não há nada mais humano do que a dor, e não há nada mais desumano do que a dor. E nesse paradoxo a gente vive, acreditando que nada vai acontecer assim tão perto, ou fingindo que a saúde imperfeita não está lá, à espreita.
Nesse exato momento há pelo menos três meninas que eu conheço, as três lindas, as três entre 26 e 28 anos, sofrendo por motivos mais ou menos parecidos: por medo, por antecipação, por dor, ou mesmo por esperança de voltar a ter uma saúde perfeita.
Por que será que "há tempos são os jovens que adoecem"? Será que eles (nós) sempre adoeceram e eu nunca percebi, por ser então jovem demais, por estar distante demais desse tipo de problema? Tento fugir da minha fobia de perda de saúde reafirmando que raramente fico gripada, que faço exercícios, não fumo e me alimento direito: sou "saudável", apesar de alguns desmaios por causa da pressão baixa. Mas os baques nessa falsa confiança não param de acontecer, assim como os inevitáveis balanços de vida, promessas de não odiar ninguém, de aproveitar cada momento, de fazer sempre a coisa certa e, acima de tudo, de aceitar o que quer que venha a ocorrer, tendo em mente que aceitar não significa se entregar.
Esses fatos, quanto mais próximos de nós, quanto mais inesperados, mais nos levam a querer mudar alguma coisa, mas é sempre difícil perceber exatamente o que deve ser mudado. A real mudança, afinal, só costuma acontecer quando perdemos o que, no dia anterior, parecia parte inequívoca da existência - a saúde. No fim, minha conclusão é sempre a mesma: tenhamos fé, e seja o que Deus quiser.
Quando em poucos meses nada menos do que seis pessoas surgem com o mesmo tipo de problema de saúde você começa a pensar: algo está acontecendo. Ou será que sempre esteve acontecendo, e só você não enxergava?
É difícil não encarar enfermidades e mesmo a sombra da morte como algo cruel. Por mais que tenhamos fé, cada um a seu modo. Nesses momentos vejo dois padrões (óbvios) de conseqüências: a fé da pessoa vítima e de sua família aumenta vertiginosamente (ou mesmo vem à tona pela primeira vez), e surge uma atitude de reflexão, de repensar a vida, uma reavaliação de prioridades, revisão de valores ou seja lá como se chama esse sentimento de que todo mundo está fazendo tudo errado.
A doença e o vislumbre da proximidade da nossa única certeza - a morte - são tristes por essência, em qualquer idade, em qualquer pessoa. Por mais que sua avó tenha 103 anos, você vai ficar abatido quando ela se for e vai desejar que ela tivesse vivido até os 104. Ou pelo menos mais um dia.
Mas nada muda o fato de que é muito cruel ver pessoas jovens e aparentemente saudáveis virem seu mundo virar de cabeça para baixo quando se deparam com o sofrimento, a dor, o medo de que aquele pesadelo não vá embora pela manhã, porque na verdade ele não é um pesadelo e o mundo é assim mesmo: num dia está tudo bem, no outro você pode quase morrer.
Não há nada mais humano do que a dor, e não há nada mais desumano do que a dor. E nesse paradoxo a gente vive, acreditando que nada vai acontecer assim tão perto, ou fingindo que a saúde imperfeita não está lá, à espreita.
Nesse exato momento há pelo menos três meninas que eu conheço, as três lindas, as três entre 26 e 28 anos, sofrendo por motivos mais ou menos parecidos: por medo, por antecipação, por dor, ou mesmo por esperança de voltar a ter uma saúde perfeita.
Por que será que "há tempos são os jovens que adoecem"? Será que eles (nós) sempre adoeceram e eu nunca percebi, por ser então jovem demais, por estar distante demais desse tipo de problema? Tento fugir da minha fobia de perda de saúde reafirmando que raramente fico gripada, que faço exercícios, não fumo e me alimento direito: sou "saudável", apesar de alguns desmaios por causa da pressão baixa. Mas os baques nessa falsa confiança não param de acontecer, assim como os inevitáveis balanços de vida, promessas de não odiar ninguém, de aproveitar cada momento, de fazer sempre a coisa certa e, acima de tudo, de aceitar o que quer que venha a ocorrer, tendo em mente que aceitar não significa se entregar.
Esses fatos, quanto mais próximos de nós, quanto mais inesperados, mais nos levam a querer mudar alguma coisa, mas é sempre difícil perceber exatamente o que deve ser mudado. A real mudança, afinal, só costuma acontecer quando perdemos o que, no dia anterior, parecia parte inequívoca da existência - a saúde. No fim, minha conclusão é sempre a mesma: tenhamos fé, e seja o que Deus quiser.
domingo, outubro 31, 2004
Antes do pôr-do-sol
22h. Pus a camisola e andei um pouco pela casa, meio sem saber para onde ir. Tomei um copo de suco de abacaxi, sem perceber; penteei o cabelo, cumpri os rituais. Mas minha cabeça explodia. Eu queria escrever, escrever, conversar, ver mais uns três filmes, entender. Não que me identificasse com os personagens - nunca passei uma tarde em Paris, nunca tive um "one night stand". Não defendo o meio ambiente, não escrevi um livro, não tenho 32 anos nem um casamento infeliz. Em hipótese alguma poderia concretamente me identificar com a vida daquelas duas pessoas fictícias. Ao mesmo tempo eu me via na tela - não em uma frase ou um assunto, mas como se o fio daquela pequena história fosse também o meu. No fundo, assim como aquele quase-casal, eu percebi que jamais compreenderia coisa alguma. E isso me colocava num estado de êxtase profundo, como numa libertação, algo que gerava um alívio. A partir daquele momento eu podia fazer tudo, criar, criar, criar tudo. Mas rapidamente o momento passava e lá eu estava novamente, questionando o destino, pensando no passado e em todas as coincidências e acontecimentos improváveis que haviam me levado até ali, até aquele perfeito novo momento. E eu não sabia mais exatamente o que queria criar.
Quando dei por mim já estava especulando novamente sobre Deus, o sentido da vida, o que faço nesse planeta e outras questões nada originais ou respondíveis. Ou então constatando como o Ethan Hawke - paixão platônica desde "Viagem ao mundo dos sonhos", que ele fez com River Phoenix - envelheceu e a Julie Delpy está mais magra. No primeiro a achei feinha, o Ethan lindo, o filme "fofo", e fiquei com raiva do fim indefinido. Hoje vi em tudo uma grande viagem existencial, tive vontade de morar em Paris e xinguei a Uma Thurman. Daqui a outros nove anos terei 33 e imagino que meus julgamentos serão bem diferentes. Ou melhor, espero entrar novamente num arrebatamento insano, mas com questionamentos talvez um pouco rasos e certamente definíveis. Ou, ainda, espero ter achado o filme não mais que "bonitinho" ou "interessante". Espero, como a maioria das pessoas comuns, torcer por um final convencional, com os dois juntos. Mas hoje, enquanto tomava meu suco de abacaxi, eu pensava, imbecil e romanticamente, que aquela só seria uma história de amor se eles jamais resolvessem ficar juntos, e logo depois cunhava sem querer mais uma frase pronta estúpida: O romantismo é a melhor imbecilidade que existe. De qualquer forma, aquela história não tinha absolutamente nada a ver com a minha vida - mas mesmo assim me incomodava. Como se através dela, finalmente, e mesmo que por um instante, eu pudesse ver que todas as coisas que eu quero não têm a menor importância e que o melhor seria viver naquele tal êxtase profundo, aquele desejo de escrever, conversar, criar, entender. Por mais que isso não levasse a nada e no fim da noite eu não soubesse nem a razão da minha insônia.
22h. Pus a camisola e andei um pouco pela casa, meio sem saber para onde ir. Tomei um copo de suco de abacaxi, sem perceber; penteei o cabelo, cumpri os rituais. Mas minha cabeça explodia. Eu queria escrever, escrever, conversar, ver mais uns três filmes, entender. Não que me identificasse com os personagens - nunca passei uma tarde em Paris, nunca tive um "one night stand". Não defendo o meio ambiente, não escrevi um livro, não tenho 32 anos nem um casamento infeliz. Em hipótese alguma poderia concretamente me identificar com a vida daquelas duas pessoas fictícias. Ao mesmo tempo eu me via na tela - não em uma frase ou um assunto, mas como se o fio daquela pequena história fosse também o meu. No fundo, assim como aquele quase-casal, eu percebi que jamais compreenderia coisa alguma. E isso me colocava num estado de êxtase profundo, como numa libertação, algo que gerava um alívio. A partir daquele momento eu podia fazer tudo, criar, criar, criar tudo. Mas rapidamente o momento passava e lá eu estava novamente, questionando o destino, pensando no passado e em todas as coincidências e acontecimentos improváveis que haviam me levado até ali, até aquele perfeito novo momento. E eu não sabia mais exatamente o que queria criar.
Quando dei por mim já estava especulando novamente sobre Deus, o sentido da vida, o que faço nesse planeta e outras questões nada originais ou respondíveis. Ou então constatando como o Ethan Hawke - paixão platônica desde "Viagem ao mundo dos sonhos", que ele fez com River Phoenix - envelheceu e a Julie Delpy está mais magra. No primeiro a achei feinha, o Ethan lindo, o filme "fofo", e fiquei com raiva do fim indefinido. Hoje vi em tudo uma grande viagem existencial, tive vontade de morar em Paris e xinguei a Uma Thurman. Daqui a outros nove anos terei 33 e imagino que meus julgamentos serão bem diferentes. Ou melhor, espero entrar novamente num arrebatamento insano, mas com questionamentos talvez um pouco rasos e certamente definíveis. Ou, ainda, espero ter achado o filme não mais que "bonitinho" ou "interessante". Espero, como a maioria das pessoas comuns, torcer por um final convencional, com os dois juntos. Mas hoje, enquanto tomava meu suco de abacaxi, eu pensava, imbecil e romanticamente, que aquela só seria uma história de amor se eles jamais resolvessem ficar juntos, e logo depois cunhava sem querer mais uma frase pronta estúpida: O romantismo é a melhor imbecilidade que existe. De qualquer forma, aquela história não tinha absolutamente nada a ver com a minha vida - mas mesmo assim me incomodava. Como se através dela, finalmente, e mesmo que por um instante, eu pudesse ver que todas as coisas que eu quero não têm a menor importância e que o melhor seria viver naquele tal êxtase profundo, aquele desejo de escrever, conversar, criar, entender. Por mais que isso não levasse a nada e no fim da noite eu não soubesse nem a razão da minha insônia.
quarta-feira, setembro 01, 2004
Apesar de
"Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso."
Clarice Lispector, "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres"
"Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso."
Clarice Lispector, "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres"
sábado, agosto 07, 2004
Todo mundo deve fazer um plano de previdência privada
Sempre foi ali, na Cobal do Humaitá. Um ou outro reclamava, mas o Pizza Park, o Espírito do Chope e o Puebla Café acabavam batendo a concorrência. A gente sentava e, nem bem eram pedidos os mates, guaranás diet e bebidas alcoólicas fermentadas, já se começava a falar mal da vida alheia.
De vez em quando surgia um "papo sério" sobre política, jornalismo, relações internacionais, sei lá o que. Mas a conversa sempre enveredava para os pitis da chefe, a intensa vontade de trabalhar do poeta Márvio, o rebolado da copeira Fabi, o nariz da recepcionista, as camisas furadas do Marcos Tendler, a ascensorista chamada Francisvênia (fato verídico) e, é claro, a uniformidade estética do Juppa - sempre com todo o respeito.
Alguns terminavam a faculdade, outros eram recém-formados, mas todos (ou quase) estávamos empolgadíssimos com a profissão, com o futuro brilhante que nos era reservado nos mais conceituados órgãos de mídia. Afinal, andávamos lado a lado com feras dos melhores veículos, em coberturas que iam do Rock in Rio a visitas do FHC e de rebeliões em Bangu a congressos internacionais sobre "as papoulas transgênicas da Guatemala", como diria o Werneck. A Tatilica, por exemplo, teve oportunidades únicas, como as de entrevistar o presidente da Nasa e de entrar para a História ao afundar de vez a plataforma P-36 em Macaé.
E o melhor, o melhor mesmo era aquele clima de oba-oba. Éramos todos (ou quase) sérios e dedicados, mas a verdade é que o trabalho era até divertido e as pessoas, sensacionais. Acho que jamais conseguirei reunir tão biodiversificada fauna num mesmo recinto - ainda mais numa sala com paredes de vidro e um divã vermelho com vista do 23º andar para a Praia de Copacabana, escoltada por aquele cachorrinho irritante do iG e pelo Zeca, o Schnauzer da chefe que resolvia fazer cocô no meio da redação.
Até bem pouco tempo atrás, costumávamos nos lembrar de nossas peripécias e rir pacas, e só. Mas estamos cada vez mais sérios, adultos, maduros, uau. Tem gente na IBM, na Petrobrás, em assessoria de imprensa, na Folha de São Paulo, em site de luxo - tem até um executivo do ramo de vacinas e uma que lava as roupas de baixo da Xuxa. E os papos, sempre entremeados com gargalhadas, os papos é que estão cada vez mais centrados, sérios, maduros. Fundo de renda fixa, o rendimento da poupança, problemas com o carro, o novo emprego, morar sozinho, por quê pagar à vista e não usar cartão de crédito, o custo de uma festa de casamento.
Há três anos alguém gritaria "Bora pra Matriiizzzz!!!" e a maioria concordaria. Iríamos a pé até a famosa Casa, jogaríamos Atari, riríamos do sofá da Coralina, provaríamos as perucas do brechó enquanto o Tendler apalparia um manequim. A vida era trabalhar e dançar dançar dançar. Agora, à meia-noite viramos abóboras e nos mandamos para casa. Fechamos uma conta tristonha de meia dúzia de refrigerantes, uns mates e três ou quatro chopes. Cansados e risonhos, constatamos que a Cobal do Humaitá ainda presencia as conversas sobre os indefectíveis pães-de-mel da Paula Pinto e as bizarrices do Chapa Quente, mas terminamos a noite concluindo que todo mundo deve urgentemente fazer um plano de previdência privada.
Sempre foi ali, na Cobal do Humaitá. Um ou outro reclamava, mas o Pizza Park, o Espírito do Chope e o Puebla Café acabavam batendo a concorrência. A gente sentava e, nem bem eram pedidos os mates, guaranás diet e bebidas alcoólicas fermentadas, já se começava a falar mal da vida alheia.
De vez em quando surgia um "papo sério" sobre política, jornalismo, relações internacionais, sei lá o que. Mas a conversa sempre enveredava para os pitis da chefe, a intensa vontade de trabalhar do poeta Márvio, o rebolado da copeira Fabi, o nariz da recepcionista, as camisas furadas do Marcos Tendler, a ascensorista chamada Francisvênia (fato verídico) e, é claro, a uniformidade estética do Juppa - sempre com todo o respeito.
Alguns terminavam a faculdade, outros eram recém-formados, mas todos (ou quase) estávamos empolgadíssimos com a profissão, com o futuro brilhante que nos era reservado nos mais conceituados órgãos de mídia. Afinal, andávamos lado a lado com feras dos melhores veículos, em coberturas que iam do Rock in Rio a visitas do FHC e de rebeliões em Bangu a congressos internacionais sobre "as papoulas transgênicas da Guatemala", como diria o Werneck. A Tatilica, por exemplo, teve oportunidades únicas, como as de entrevistar o presidente da Nasa e de entrar para a História ao afundar de vez a plataforma P-36 em Macaé.
E o melhor, o melhor mesmo era aquele clima de oba-oba. Éramos todos (ou quase) sérios e dedicados, mas a verdade é que o trabalho era até divertido e as pessoas, sensacionais. Acho que jamais conseguirei reunir tão biodiversificada fauna num mesmo recinto - ainda mais numa sala com paredes de vidro e um divã vermelho com vista do 23º andar para a Praia de Copacabana, escoltada por aquele cachorrinho irritante do iG e pelo Zeca, o Schnauzer da chefe que resolvia fazer cocô no meio da redação.
Até bem pouco tempo atrás, costumávamos nos lembrar de nossas peripécias e rir pacas, e só. Mas estamos cada vez mais sérios, adultos, maduros, uau. Tem gente na IBM, na Petrobrás, em assessoria de imprensa, na Folha de São Paulo, em site de luxo - tem até um executivo do ramo de vacinas e uma que lava as roupas de baixo da Xuxa. E os papos, sempre entremeados com gargalhadas, os papos é que estão cada vez mais centrados, sérios, maduros. Fundo de renda fixa, o rendimento da poupança, problemas com o carro, o novo emprego, morar sozinho, por quê pagar à vista e não usar cartão de crédito, o custo de uma festa de casamento.
Há três anos alguém gritaria "Bora pra Matriiizzzz!!!" e a maioria concordaria. Iríamos a pé até a famosa Casa, jogaríamos Atari, riríamos do sofá da Coralina, provaríamos as perucas do brechó enquanto o Tendler apalparia um manequim. A vida era trabalhar e dançar dançar dançar. Agora, à meia-noite viramos abóboras e nos mandamos para casa. Fechamos uma conta tristonha de meia dúzia de refrigerantes, uns mates e três ou quatro chopes. Cansados e risonhos, constatamos que a Cobal do Humaitá ainda presencia as conversas sobre os indefectíveis pães-de-mel da Paula Pinto e as bizarrices do Chapa Quente, mas terminamos a noite concluindo que todo mundo deve urgentemente fazer um plano de previdência privada.
sábado, julho 24, 2004
Cogumelos de Curitiba
Era mais um fim de tarde sem graça e sem sol naquela cidade gelada. Andrea encostou-se no parapeito da janela do meu apartamento, soltou fumaça fazendo biquinho e proferiu a bela frase: "Intimidade é fazer cocô de porta aberta".
Ela me explicava porque ser casada aos 22 anos era "trilegal". Pensamento brilhantemente concluído, tirou de uma sacola o vestido prateado que eu usaria no casamento da vitoriosa dupla do esporte. Como a exuberância de Andrea em mim ficava a desejar, o traje coube quase que perfeitamente, apesar de meus muitos centímetros a mais de altura. Nos pusemos então a fazer o trabalho na mesa de jantar, enquanto o resto do grupo conversava e comia pipoca no sofá, em frente à estante com a televisão (em uma frase cabem todos os móveis do meu hospitalar apartamento na cidade do meu então vizinho Jaime Lerner).
Eu escrevia à mão e Andrea me ajudava a buscar trechos de livros, revistas e jornais. Cumpríamos a insólita função de especular de que forma Pierre Bourdieu analisaria o Programa do Ratinho. Foi minha última e hilariante ousadia em Curititba.
A bela gaúcha, ouvi dizer, se mandou para a França com o marido. Nunca mais soube dela.
Outras figuras do primeiro ano da faculdade de jornalismo me deixaram saudades, entre elas Alexandra, Dani e Carol - de tanto andarmos juntas, ganhamos o apelido de Spice Girls. Carol, a ruivinha, já é mãe aos 23 e tem uma pequena empresa de comunicação, assessoria ou algo parecido. Alexandra, linda, loura e tímida, menina de cidade do interior, era uma boa amiga, que participou dos meus últimos dias em Curitiba, foi à minha despedida, conheceu amigos do vôlei. Não tenho idéia de por onde anda. Já a Dani...um dia tocou o telefone na minha casa aqui no Rio. Era ela. Fiquei feliz por alguns momentos, até perceber que o que ela queria era que eu arrumasse uma casa em Búzios para ela ficar de graça com o namorado. Vendo que do mato não saía cachorro, desligou sem mais delongas. Não fazia questão de marcar um reencontro. Tudo bem: sei que sou meio fanática por essa história de reencontrar pessoas que nem lembram mais que eu existo.
O assédio masculino inexistia fora do ginásio do Tarumã, mas a universidade me rendeu uma fã inesperada, que deixava bilhetes apaixonados, poesias e até uma flor no vidro do carro. A moça, que eu nunca soube quem era, só desistiu depois que uma amiga dela que ligou para a minha casa ouviu em alto e bom som que sim, eu tinha namorado e não, eu não gostava de mulheres.
Assim como ela, praticamente todos sumiram. Bernardo, que me perseguia pela faculdade e a quem eu carinhosamente chamava de "meu ET", às vezes dá sinal de vida, assim como Carol, que eu levei ao Pão de Açúcar quando esteve no Rio, há quatro anos. Tatiane, Kamila, Fábio, Amanda, Rubens, Karina - esses nunca mais vi. Talvez, se eu tivesse e-mail na época, teria mantido contato. Talvez não.
Como me disse Andrea, a bela gaúcha, certa vez: "Rê, tu sabe que tu vai fazer amigos sempre, não importa onde tu estiver. Mudar é sempre bom, tu sabe, tu vive mudando....Só, que, quando casar, não mude de marido!" Esperta, a Andrea. Seguiria todos os seus conselhos, exceto o tal da porta aberta.
Era mais um fim de tarde sem graça e sem sol naquela cidade gelada. Andrea encostou-se no parapeito da janela do meu apartamento, soltou fumaça fazendo biquinho e proferiu a bela frase: "Intimidade é fazer cocô de porta aberta".
Ela me explicava porque ser casada aos 22 anos era "trilegal". Pensamento brilhantemente concluído, tirou de uma sacola o vestido prateado que eu usaria no casamento da vitoriosa dupla do esporte. Como a exuberância de Andrea em mim ficava a desejar, o traje coube quase que perfeitamente, apesar de meus muitos centímetros a mais de altura. Nos pusemos então a fazer o trabalho na mesa de jantar, enquanto o resto do grupo conversava e comia pipoca no sofá, em frente à estante com a televisão (em uma frase cabem todos os móveis do meu hospitalar apartamento na cidade do meu então vizinho Jaime Lerner).
Eu escrevia à mão e Andrea me ajudava a buscar trechos de livros, revistas e jornais. Cumpríamos a insólita função de especular de que forma Pierre Bourdieu analisaria o Programa do Ratinho. Foi minha última e hilariante ousadia em Curititba.
A bela gaúcha, ouvi dizer, se mandou para a França com o marido. Nunca mais soube dela.
Outras figuras do primeiro ano da faculdade de jornalismo me deixaram saudades, entre elas Alexandra, Dani e Carol - de tanto andarmos juntas, ganhamos o apelido de Spice Girls. Carol, a ruivinha, já é mãe aos 23 e tem uma pequena empresa de comunicação, assessoria ou algo parecido. Alexandra, linda, loura e tímida, menina de cidade do interior, era uma boa amiga, que participou dos meus últimos dias em Curitiba, foi à minha despedida, conheceu amigos do vôlei. Não tenho idéia de por onde anda. Já a Dani...um dia tocou o telefone na minha casa aqui no Rio. Era ela. Fiquei feliz por alguns momentos, até perceber que o que ela queria era que eu arrumasse uma casa em Búzios para ela ficar de graça com o namorado. Vendo que do mato não saía cachorro, desligou sem mais delongas. Não fazia questão de marcar um reencontro. Tudo bem: sei que sou meio fanática por essa história de reencontrar pessoas que nem lembram mais que eu existo.
O assédio masculino inexistia fora do ginásio do Tarumã, mas a universidade me rendeu uma fã inesperada, que deixava bilhetes apaixonados, poesias e até uma flor no vidro do carro. A moça, que eu nunca soube quem era, só desistiu depois que uma amiga dela que ligou para a minha casa ouviu em alto e bom som que sim, eu tinha namorado e não, eu não gostava de mulheres.
Assim como ela, praticamente todos sumiram. Bernardo, que me perseguia pela faculdade e a quem eu carinhosamente chamava de "meu ET", às vezes dá sinal de vida, assim como Carol, que eu levei ao Pão de Açúcar quando esteve no Rio, há quatro anos. Tatiane, Kamila, Fábio, Amanda, Rubens, Karina - esses nunca mais vi. Talvez, se eu tivesse e-mail na época, teria mantido contato. Talvez não.
Como me disse Andrea, a bela gaúcha, certa vez: "Rê, tu sabe que tu vai fazer amigos sempre, não importa onde tu estiver. Mudar é sempre bom, tu sabe, tu vive mudando....Só, que, quando casar, não mude de marido!" Esperta, a Andrea. Seguiria todos os seus conselhos, exceto o tal da porta aberta.
domingo, julho 04, 2004
Estou tão baratinada que passei manteiga no computador. Quero ir à praia, ao cinema, ler e dançar. Ao mesmo tempo. E comer sushi. E procurar emprego em Belo Horizonte. Será que alguém lá precisa de uma go-go-girl tímida e católica? Ou de uma revisora de rótulo de pão-de-queijo? De repente nisso eu dou certo.
quinta-feira, junho 24, 2004
Nirvana, Cazuza e Mamonas
Sandália de couro com meia branca, all starr marrom. Repito: all starr MARROM. Ambos com camisas brancas levemente surradas, sem o menor resquício de marca, jeans amarelados, cabelos perturbadores. Sentados na lanchonete do nono andar da Uerj. Não tenho idéia do que falam.
- Eu acho que a gente tinha que escolher uma do Cazuza. Cara, olha isso, "eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades...". Tem tudo a ver com a gente, tem tudo a ver com a história, a história se repete. "Um museu de grandes novidades". Marx podia ter dito isso.
- É o bicho. Mas acho que tinha que ser uma coisa mais rock'n'roll, uns solos de guitarra, sei lá. Nirvana, de repente.
- Porra, mas o cara se suicidou! Nada a ver, sei lá.
- E daí? O Cazuza não morreu de Aids?
Consegui me concentrar novamente e estudar. Por pouco tempo.
- O Vinícius toca muito. Ele podia vir pra nossa banda, se a gente montasse de novo.
- É mermo. O cara nem é veterano e é foda. Foda.
- A gente podia começar tocando num churrascão. A gente toca, a carne queima, a galera descontrai, bebe cerveja e ri dos nossos erros.
- Pode ser. Ia ser foda de maneiro.
(Pausa)
- Imagina se a gente lança um CD, faz sucesso e morre num acidente de avião?
- Porra, tu quer ser os Mamonas??
- Claro que não. Aí é foda, ia ter que aparecer no Gugu. Não dá.
Eu definitivamente AMO a Uerj.
Sandália de couro com meia branca, all starr marrom. Repito: all starr MARROM. Ambos com camisas brancas levemente surradas, sem o menor resquício de marca, jeans amarelados, cabelos perturbadores. Sentados na lanchonete do nono andar da Uerj. Não tenho idéia do que falam.
- Eu acho que a gente tinha que escolher uma do Cazuza. Cara, olha isso, "eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades...". Tem tudo a ver com a gente, tem tudo a ver com a história, a história se repete. "Um museu de grandes novidades". Marx podia ter dito isso.
- É o bicho. Mas acho que tinha que ser uma coisa mais rock'n'roll, uns solos de guitarra, sei lá. Nirvana, de repente.
- Porra, mas o cara se suicidou! Nada a ver, sei lá.
- E daí? O Cazuza não morreu de Aids?
Consegui me concentrar novamente e estudar. Por pouco tempo.
- O Vinícius toca muito. Ele podia vir pra nossa banda, se a gente montasse de novo.
- É mermo. O cara nem é veterano e é foda. Foda.
- A gente podia começar tocando num churrascão. A gente toca, a carne queima, a galera descontrai, bebe cerveja e ri dos nossos erros.
- Pode ser. Ia ser foda de maneiro.
(Pausa)
- Imagina se a gente lança um CD, faz sucesso e morre num acidente de avião?
- Porra, tu quer ser os Mamonas??
- Claro que não. Aí é foda, ia ter que aparecer no Gugu. Não dá.
Eu definitivamente AMO a Uerj.
terça-feira, junho 08, 2004
Acordei na selva
Nunca fui uma pessoa muito ligada, muito perceptiva quanto à má-fé alheia. Sempre foi meio fácil se aproximar de mim e me explorar, me desejar o mal, tentar me prejudicar. Além de eu ser meio inocente demais, isso era também fruto de uma escolha minha. Por mais estranho que pareça, eu preferia correr o risco de ser magoada e traída do que viver com o pé atrás, desconfiando de tudo e de todos.
Com o tempo a gente endurece. A ternura continua lá, meio soterrada pelas decepções, mas o coração enrijece mesmo, se a gente não prestar atenção. No caminho, vamos encontrando pessoas invejosas, que torcem para que tudo dê errado para os outros, mesmo que nada disso vá melhorar suas próprias vidas. Particularmente, eu acredito que haja mais pessoas boas em geral do que más; porém, mesmo as boas têm seus momentos cruéis, enchem a boca para dizer "bem-feito", desejam que a outra, amiga ou não, se ferre. A natureza humana tem dessas coisas, todo mundo sabe. A diferença é que alguns lutam contra esses sentimentos vis, se policiam para não falar mal dos outros, tentam enxergar qualidades nos fulanos mais babacas que existem.
Sempre tentei ser assim. Desde o não falar palavrão até o não falar mal dos outros, não julgar ninguém como burro, feio, insuportável. Mas cada vez mais eu sinto que estou enfraquecendo. Estou mais suscetível à maldade alheia, quase acredito em mau-olhado e vibrações negativas. Começo a perceber quando a moça na sala de aula me olha com uma ponta de despeito, quando o cara responde todas as perguntas para se sentir melhor do que os outros, quando a senhora esconde de quem chegou atrasado a matéria que já foi dada. Às vezes até chego a sacar, ou pensar que saco, que alguma pessoa "tem algo de estranho" quando olho nos seus olhos pela primeira vez (como tenho a pachorra de julgar alguém em nome de um "sexto sentido"?). Acho que estou perdendo de vez aquela inocência que fazia de mim uma pessoa não necessariamente boba, mas boa.
Muitos me dizem que isso é ótimo, que assim eu me protejo, afasto o lado negro da Força e sigo minha vida sem ser prejudicada pelos outros. Mas eu preferiria voltar a ser como antes e crer na bondade de todas as pessoas, acreditar que algo nelas ainda pode ser mudado, que deve haver motivos para alguém agir de modo condenável e que minha missão é entender e tentar ajudar. Só conheci quatro seres puros assim: minha avó Olympia, minha amiga Ana Paula Platz, meu pai e meu namorado - estes dois já um pouco endurecidos pela vida, por mais que concordem comigo em teoria.
Queria voltar ao ponto de partida. Eu seria passada para trás e veria pessoas triunfando às minhas custas, mas não viveria enxergando as possibilidades de perigo, de inveja e de maldade em cada novo par de olhos que encaro.
Nunca fui uma pessoa muito ligada, muito perceptiva quanto à má-fé alheia. Sempre foi meio fácil se aproximar de mim e me explorar, me desejar o mal, tentar me prejudicar. Além de eu ser meio inocente demais, isso era também fruto de uma escolha minha. Por mais estranho que pareça, eu preferia correr o risco de ser magoada e traída do que viver com o pé atrás, desconfiando de tudo e de todos.
Com o tempo a gente endurece. A ternura continua lá, meio soterrada pelas decepções, mas o coração enrijece mesmo, se a gente não prestar atenção. No caminho, vamos encontrando pessoas invejosas, que torcem para que tudo dê errado para os outros, mesmo que nada disso vá melhorar suas próprias vidas. Particularmente, eu acredito que haja mais pessoas boas em geral do que más; porém, mesmo as boas têm seus momentos cruéis, enchem a boca para dizer "bem-feito", desejam que a outra, amiga ou não, se ferre. A natureza humana tem dessas coisas, todo mundo sabe. A diferença é que alguns lutam contra esses sentimentos vis, se policiam para não falar mal dos outros, tentam enxergar qualidades nos fulanos mais babacas que existem.
Sempre tentei ser assim. Desde o não falar palavrão até o não falar mal dos outros, não julgar ninguém como burro, feio, insuportável. Mas cada vez mais eu sinto que estou enfraquecendo. Estou mais suscetível à maldade alheia, quase acredito em mau-olhado e vibrações negativas. Começo a perceber quando a moça na sala de aula me olha com uma ponta de despeito, quando o cara responde todas as perguntas para se sentir melhor do que os outros, quando a senhora esconde de quem chegou atrasado a matéria que já foi dada. Às vezes até chego a sacar, ou pensar que saco, que alguma pessoa "tem algo de estranho" quando olho nos seus olhos pela primeira vez (como tenho a pachorra de julgar alguém em nome de um "sexto sentido"?). Acho que estou perdendo de vez aquela inocência que fazia de mim uma pessoa não necessariamente boba, mas boa.
Muitos me dizem que isso é ótimo, que assim eu me protejo, afasto o lado negro da Força e sigo minha vida sem ser prejudicada pelos outros. Mas eu preferiria voltar a ser como antes e crer na bondade de todas as pessoas, acreditar que algo nelas ainda pode ser mudado, que deve haver motivos para alguém agir de modo condenável e que minha missão é entender e tentar ajudar. Só conheci quatro seres puros assim: minha avó Olympia, minha amiga Ana Paula Platz, meu pai e meu namorado - estes dois já um pouco endurecidos pela vida, por mais que concordem comigo em teoria.
Queria voltar ao ponto de partida. Eu seria passada para trás e veria pessoas triunfando às minhas custas, mas não viveria enxergando as possibilidades de perigo, de inveja e de maldade em cada novo par de olhos que encaro.
sábado, maio 29, 2004
O mar
Tenho um amigo que queria ser historiador ou sociólogo, mas desistiu por pensar que seria muito pobre com o salário de professor. E também porque o que desejava mesmo era escrever sobre muitos assuntos, temas que não conhecia, que talvez ninguém por perto conhecesse. Ele caçaria as informações pelo mundo, conversaria com todos os especialistas das mais remotas áreas, e assim se tornaria um pequeno entendido em grandes coisas. No fundo, não saberia muito sobre cada assunto, mas teria a toda hora uma nova paixão para pesquisar, e, a melhor parte, um motivo para escrever.
Resolveu ser jornalista.
Quando percebeu que o trabalho envolvia muito mais - e, de certa forma, muito menos - do que imaginava, ele resolveu continuar assim mesmo. Afinal, o resto da profissão não era de todo ruim. A esta altura, já sabia que seria "pobre" de qualquer forma, fosse professor ou trabalhasse na redação de uma revista, sua grande vontade. Mas tudo bem: na escola ele tinha aprendido que o bacana era fazer o que gostava, que no fundo as coisas dariam certo para os esforçados e tal. Além do mais, o jornalismo lhe parecia uma profissão interessante em termos de intervenção social. Ele realmente imaginava que poderia ajudar a mudar algo, senão o mundo, pelo menos o seu indigente município, informar sobre coisas que ninguém imaginava, "formar opiniões".
Ele era também atleta, e o sonho jornalístico por conta disso foi adiado. Sonhava ir a uma olimpíada, embora o esporte não fosse o objetivo supremo de sua vida. Dedicou-se, foi mais longe do que esperava, mas ainda assim não passou da arrebentação da praia, somente chegou a vislumbrar o alto-mar. Nadou de volta por vontade própria.
Enfim, a faculdade. Aos poucos, a vida real ia dando as caras, mas, no íntimo, ele sempre confiava no seu taco, apesar da insegurança em inúmeros momentos. Afinal, aprendera no colégio que deveríamos ser bons profissionais e boas pessoas, pois assim adviria o paraíso na Terra - não um paraíso divino, mas um feito de bens, mulher, filhos, trabalho digno, carreira, férias e décimo terceiro salário. Recusava-se a puxar o saco, bajular, pedir para entrar pela janela. "Hei de vencer por meus próprios méritos", ele pensava nessas frases prontamente heróicas e admiráveis. Viajou, jogou, investiu, desistiu, se há sorte, ele não sabe, nunca viu.
Exagerado, sempre, dramatizou a vida o mais que pôde. Fotografou partes do que presenciou, criou uma fotonovela auto-referente, colheu telefones, endereços e e-mails freneticamente, visitou locais extraordinários, meio sem querer. Em certo ponto, numa dessas bandas formidáveis, pensou que a melhor vida que poderia ter seria a de balconista da loja de suvenires do Balboa Park. Tranqüilidade, salário suficiente, local aprazível. Mais uma vez, porém, desistiu da idéia e voltou à "vida real", essa coisa que as pessoas insistiam que existia. Trabalhou, estudou, amadureceu um pouco, mas o mundo não muda, as pessoas vão e vêm e o mundo não muda, mesmo que elas pensem que sim. Olhou para trás e lembrou que, nos últimos quatro mil anos, apenas uns 300 haviam sido de paz. E, mesmo nesses 300 restantes, muitos deviam ter se trucidado por ganância, por meio de sobrevivência ou simplesmente por tédio.
Isso ele percebeu no dia em que se lembrou daquela loja de suvenires. E aí matou a charada: era inteligente, bem-apessoado, tinha boa-fé, mas faltava-lhe aquilo que transformava simples mortais em empreendedores, para o bem ou para o mal - ambição. Resolveu, então, procurar um eterno pleonasmo, um sous venir, algo que lhe lembrasse a pequena loja de suvenires, onde a candura bastava e a ambição morava do outro lado do balcão, de segunda a sexta.
Na última vez em que nos encontramos, ele parecia sereno, num nível aceitável de triste inconformismo com o mundo que não muda e feliz com a busca pela realização daquela sua descoberta. A ambição, o motor da existência, era o que lhe faltava para viver no universo em que as pessoas obtinham "sucesso". Mas aquilo não deixava de ser fruto de uma escolha própria. Finalmente compreendera qual era realmente o tal objetivo supremo de sua vida: não ter nenhum objetivo tão grandioso que chegasse a tomar conta dele mesmo. "Um homem sem ambição é um homem livre", pensou, olhando o oceano, imaginando como seria o alto-mar e dando-se por contente ao decifrar nada além de cada detalhe das ondas na arrebentação da praia.
Tenho um amigo que queria ser historiador ou sociólogo, mas desistiu por pensar que seria muito pobre com o salário de professor. E também porque o que desejava mesmo era escrever sobre muitos assuntos, temas que não conhecia, que talvez ninguém por perto conhecesse. Ele caçaria as informações pelo mundo, conversaria com todos os especialistas das mais remotas áreas, e assim se tornaria um pequeno entendido em grandes coisas. No fundo, não saberia muito sobre cada assunto, mas teria a toda hora uma nova paixão para pesquisar, e, a melhor parte, um motivo para escrever.
Resolveu ser jornalista.
Quando percebeu que o trabalho envolvia muito mais - e, de certa forma, muito menos - do que imaginava, ele resolveu continuar assim mesmo. Afinal, o resto da profissão não era de todo ruim. A esta altura, já sabia que seria "pobre" de qualquer forma, fosse professor ou trabalhasse na redação de uma revista, sua grande vontade. Mas tudo bem: na escola ele tinha aprendido que o bacana era fazer o que gostava, que no fundo as coisas dariam certo para os esforçados e tal. Além do mais, o jornalismo lhe parecia uma profissão interessante em termos de intervenção social. Ele realmente imaginava que poderia ajudar a mudar algo, senão o mundo, pelo menos o seu indigente município, informar sobre coisas que ninguém imaginava, "formar opiniões".
Ele era também atleta, e o sonho jornalístico por conta disso foi adiado. Sonhava ir a uma olimpíada, embora o esporte não fosse o objetivo supremo de sua vida. Dedicou-se, foi mais longe do que esperava, mas ainda assim não passou da arrebentação da praia, somente chegou a vislumbrar o alto-mar. Nadou de volta por vontade própria.
Enfim, a faculdade. Aos poucos, a vida real ia dando as caras, mas, no íntimo, ele sempre confiava no seu taco, apesar da insegurança em inúmeros momentos. Afinal, aprendera no colégio que deveríamos ser bons profissionais e boas pessoas, pois assim adviria o paraíso na Terra - não um paraíso divino, mas um feito de bens, mulher, filhos, trabalho digno, carreira, férias e décimo terceiro salário. Recusava-se a puxar o saco, bajular, pedir para entrar pela janela. "Hei de vencer por meus próprios méritos", ele pensava nessas frases prontamente heróicas e admiráveis. Viajou, jogou, investiu, desistiu, se há sorte, ele não sabe, nunca viu.
Exagerado, sempre, dramatizou a vida o mais que pôde. Fotografou partes do que presenciou, criou uma fotonovela auto-referente, colheu telefones, endereços e e-mails freneticamente, visitou locais extraordinários, meio sem querer. Em certo ponto, numa dessas bandas formidáveis, pensou que a melhor vida que poderia ter seria a de balconista da loja de suvenires do Balboa Park. Tranqüilidade, salário suficiente, local aprazível. Mais uma vez, porém, desistiu da idéia e voltou à "vida real", essa coisa que as pessoas insistiam que existia. Trabalhou, estudou, amadureceu um pouco, mas o mundo não muda, as pessoas vão e vêm e o mundo não muda, mesmo que elas pensem que sim. Olhou para trás e lembrou que, nos últimos quatro mil anos, apenas uns 300 haviam sido de paz. E, mesmo nesses 300 restantes, muitos deviam ter se trucidado por ganância, por meio de sobrevivência ou simplesmente por tédio.
Isso ele percebeu no dia em que se lembrou daquela loja de suvenires. E aí matou a charada: era inteligente, bem-apessoado, tinha boa-fé, mas faltava-lhe aquilo que transformava simples mortais em empreendedores, para o bem ou para o mal - ambição. Resolveu, então, procurar um eterno pleonasmo, um sous venir, algo que lhe lembrasse a pequena loja de suvenires, onde a candura bastava e a ambição morava do outro lado do balcão, de segunda a sexta.
Na última vez em que nos encontramos, ele parecia sereno, num nível aceitável de triste inconformismo com o mundo que não muda e feliz com a busca pela realização daquela sua descoberta. A ambição, o motor da existência, era o que lhe faltava para viver no universo em que as pessoas obtinham "sucesso". Mas aquilo não deixava de ser fruto de uma escolha própria. Finalmente compreendera qual era realmente o tal objetivo supremo de sua vida: não ter nenhum objetivo tão grandioso que chegasse a tomar conta dele mesmo. "Um homem sem ambição é um homem livre", pensou, olhando o oceano, imaginando como seria o alto-mar e dando-se por contente ao decifrar nada além de cada detalhe das ondas na arrebentação da praia.
sábado, maio 15, 2004
Telefone
- Quando te conheci, pensei que você fosse uma patricinha. Sabe, aquele tipo inacessível para mim. Jamais seria minha amiga, e por motivos recíprocos.
- Algumas pessoas me acham metida à primeira vista. E antigamente muitos me confundiam com patricinha. Eu era loura, meio malhada, gostava de sair...Mas era quietinha e nada paty.
- Eu sei. Depois percebi. Você deve ser o tipo ideal de alguns caras. Cara de patricinha, simpática, mas com ar levemente esnobe, cérebro de quem gosta de Humanas, carioca da Zona Sul, ex-atleta. Uau.
- Bobo.
- Eu tenho uma queda por mulheres da área de Humanas, antropólogas, historiadoras, psicanalistas, sei lá, não tem nada mais sexy do que uma mulher inteligente. Mas acho que as patricinhas têm um quê de fascinante que não sabem explorar. O XY não suporta aquelas patricinhas que não assumem que o são, aquelas que se fazem de não-patricinhas superinteligentes.
- Ele abomina aquelas patys Espaço Unibanco...
- Exatamente. Mas eu acho que elas são mais acessíveis do que as patricinhas autênticas. Sabe, você leu livros sobre impressionismo, a cultura no século XIX, Ianomâmis e grafiteiros cool de Nova Iorque - além de coisas como Fante, Bukowski e o último do Chico. E você sabe onde ficam uns sebos de livros e LPs no Centro e em Botafogo. Aí você está comendo pão de queijo no Espaço Unibanco e puxa um papo na fila para ver um filme do Rohmer. Você pode falar sobre o período greco-romano, Fellini, Kubrick, a concessão enfitêutica no período feudal, iluminismo, Warhol e Duchamp. Fica implícito que você odeia o Paulo Coelho. E ela nunca vai descobrir que você jamais leu um pensador. Se desconfiar, você diz que achou melhor não ler para não prejudicar sua terapia existencial.
- Boa.
- Mas eu sempre quis sair com uma loura de academia. Consegui outro dia, conheci pela internet. Sabe como é, ela falava tipo assim, mas eu queria saber como uma loura malhada beijava. Deu pra rolar um arremedo de fantasia.
- Haha. Você não existe...
- As pessoas é que são muito malucas. Um dia um mórmon me abordou. Ele perguntou se eu tinha religião e eu disse que era católico apostólico romano. Perguntou se eu lia a Bíblia, e eu respondi que minha mãe lia o suficiente por mim, mas que eu era praticante. Ele quis me dar uns papeizinhos e me convencer de que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias era a melhor para mim. Eu disse que até gostaria de saber mais sobre o assunto e apreciava a abordagem, mas que não poderia aceitar impressos fora da minha religião. Coisa de quem fez desenho industrial, essa minha resposta, "impressos fora da minha religião". Eu também já fiz muitas coisas estranhas.
- Imagino.
- Fui uma vez à Vila Mimosa. Quatro vezes, na verdade. Fomos lá, bebemos cerveja e olhamos as moças de fino trato. Fiquei apavorado. É uma mistura de camelô, "Cidade de Deus", menininhas do interior, feira de São Cristóvão, filmes brasileiros daqueles antigos, cheios de barangas peladas, tudo em corredores e galerias surreais. Fiquei apavorado. Tinha criaturas que eu não sabia que podiam existir. Ao mesmo tempo, uma mistura de mulheres bonitas e outras horrorosas. E todas faziam sucesso. Bem, sei lá o que é sucesso nesse caso. Uma garçonete, entre aspas, usava uma roupa, entre aspas, que só tapava a barriga. É um lugar pra você ir com os amigos, beber, rir, e, quem sabe, algo mais. O pavor passa. É bem interessante.
- Imagino.
- Quando te conheci, pensei que você fosse uma patricinha. Sabe, aquele tipo inacessível para mim. Jamais seria minha amiga, e por motivos recíprocos.
- Algumas pessoas me acham metida à primeira vista. E antigamente muitos me confundiam com patricinha. Eu era loura, meio malhada, gostava de sair...Mas era quietinha e nada paty.
- Eu sei. Depois percebi. Você deve ser o tipo ideal de alguns caras. Cara de patricinha, simpática, mas com ar levemente esnobe, cérebro de quem gosta de Humanas, carioca da Zona Sul, ex-atleta. Uau.
- Bobo.
- Eu tenho uma queda por mulheres da área de Humanas, antropólogas, historiadoras, psicanalistas, sei lá, não tem nada mais sexy do que uma mulher inteligente. Mas acho que as patricinhas têm um quê de fascinante que não sabem explorar. O XY não suporta aquelas patricinhas que não assumem que o são, aquelas que se fazem de não-patricinhas superinteligentes.
- Ele abomina aquelas patys Espaço Unibanco...
- Exatamente. Mas eu acho que elas são mais acessíveis do que as patricinhas autênticas. Sabe, você leu livros sobre impressionismo, a cultura no século XIX, Ianomâmis e grafiteiros cool de Nova Iorque - além de coisas como Fante, Bukowski e o último do Chico. E você sabe onde ficam uns sebos de livros e LPs no Centro e em Botafogo. Aí você está comendo pão de queijo no Espaço Unibanco e puxa um papo na fila para ver um filme do Rohmer. Você pode falar sobre o período greco-romano, Fellini, Kubrick, a concessão enfitêutica no período feudal, iluminismo, Warhol e Duchamp. Fica implícito que você odeia o Paulo Coelho. E ela nunca vai descobrir que você jamais leu um pensador. Se desconfiar, você diz que achou melhor não ler para não prejudicar sua terapia existencial.
- Boa.
- Mas eu sempre quis sair com uma loura de academia. Consegui outro dia, conheci pela internet. Sabe como é, ela falava tipo assim, mas eu queria saber como uma loura malhada beijava. Deu pra rolar um arremedo de fantasia.
- Haha. Você não existe...
- As pessoas é que são muito malucas. Um dia um mórmon me abordou. Ele perguntou se eu tinha religião e eu disse que era católico apostólico romano. Perguntou se eu lia a Bíblia, e eu respondi que minha mãe lia o suficiente por mim, mas que eu era praticante. Ele quis me dar uns papeizinhos e me convencer de que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias era a melhor para mim. Eu disse que até gostaria de saber mais sobre o assunto e apreciava a abordagem, mas que não poderia aceitar impressos fora da minha religião. Coisa de quem fez desenho industrial, essa minha resposta, "impressos fora da minha religião". Eu também já fiz muitas coisas estranhas.
- Imagino.
- Fui uma vez à Vila Mimosa. Quatro vezes, na verdade. Fomos lá, bebemos cerveja e olhamos as moças de fino trato. Fiquei apavorado. É uma mistura de camelô, "Cidade de Deus", menininhas do interior, feira de São Cristóvão, filmes brasileiros daqueles antigos, cheios de barangas peladas, tudo em corredores e galerias surreais. Fiquei apavorado. Tinha criaturas que eu não sabia que podiam existir. Ao mesmo tempo, uma mistura de mulheres bonitas e outras horrorosas. E todas faziam sucesso. Bem, sei lá o que é sucesso nesse caso. Uma garçonete, entre aspas, usava uma roupa, entre aspas, que só tapava a barriga. É um lugar pra você ir com os amigos, beber, rir, e, quem sabe, algo mais. O pavor passa. É bem interessante.
- Imagino.
quinta-feira, abril 29, 2004
Agora
Estou querendo parar de defender bandeiras sem mastro, de me agarrar a nuvens, de viver metade no pretérito, metade no devir, de acreditar na solidez do que desmancha no ar. Às vezes eu acho que deveria ser uma burocrata, engenheira, mestra em ciências atuariais, fazer aquelas coisas que são assim: PÁ-PUM, e pronto. Mas eu preciso de paragens loucas, decisões etéreas, vastas dúvidas. Preciso pensar como se pudesse interpretar cada detalhe do mundo de forma original ou pelo menos distorcida. Preciso agir como o demiurgo no princípio, quando era o caos, e organizar tudo do meu jeito desorganizado, descansando ao cabo de sete dias. Porém, sou preguiçosa demais para criar um mundo direitinho, e por isso paro no meio, deixo lacunas em minhas histórias, desejos, convicções.
É por isso que, em vez de sair por aí trabalhando, ganhando dinheiro, sendo uma grande empreendedora, pioneira de alguma coisa, eu passo o tempo discutindo o sexo dos anjos. Isso é bom, mas cansa.
Desta vez estou tentando ter uma atitude pragmática, não questionar tanto meus rumos, desromancear a vida. Calcular e cumprir metas, eis o verdadeiro caminho. Estou praticamente me transformando numa multinacional.
Vou deixar de colher as sinecuras da vida lírica que gostaria de ter para angariar as benesses do imediatismo, da vida orçada e dividida em percentuais. Saio da floresta de celofane para entrar no mundo desencantado do Excel. Diminuo os livros e compro apostilas. Troco o sangue-de-boi do pé-sujo na Rua de Santanna pela água mineral no horário marcado na academia. Ignoro meus acessos de alma hipocondríaca e troco a irascibilidade criativa pelo cálculo frio. Deixo o liberalismo pela economia planificada. Em lugar da taquifagia ambiciosa, dos delírios intelectualóides, absorverei números e frases das engrenagens burocráticas.
A beleza da inconseqüência, afinal, tem prazo de validade.
Só agora percebi o quanto de tautologia havia na minha vida. Sempre que chegava perto, o que eu queria era exatamente o que mais me escapava. Esse suplício de Tântalo vai ter que acabar. Qualquer coisa que me dê lucro será devidamente desvinculada daquelas várias outras coisas que me alentam. O que mais quero, o que mais gosto, virará o prazer pelo prazer. Êxtase dionisíaco, só nas horas vagas, em aulas, leituras, poesias, estudos e elucubrações diletantes. De resto, serei autômato.
Estou querendo parar de defender bandeiras sem mastro, de me agarrar a nuvens, de viver metade no pretérito, metade no devir, de acreditar na solidez do que desmancha no ar. Às vezes eu acho que deveria ser uma burocrata, engenheira, mestra em ciências atuariais, fazer aquelas coisas que são assim: PÁ-PUM, e pronto. Mas eu preciso de paragens loucas, decisões etéreas, vastas dúvidas. Preciso pensar como se pudesse interpretar cada detalhe do mundo de forma original ou pelo menos distorcida. Preciso agir como o demiurgo no princípio, quando era o caos, e organizar tudo do meu jeito desorganizado, descansando ao cabo de sete dias. Porém, sou preguiçosa demais para criar um mundo direitinho, e por isso paro no meio, deixo lacunas em minhas histórias, desejos, convicções.
É por isso que, em vez de sair por aí trabalhando, ganhando dinheiro, sendo uma grande empreendedora, pioneira de alguma coisa, eu passo o tempo discutindo o sexo dos anjos. Isso é bom, mas cansa.
Desta vez estou tentando ter uma atitude pragmática, não questionar tanto meus rumos, desromancear a vida. Calcular e cumprir metas, eis o verdadeiro caminho. Estou praticamente me transformando numa multinacional.
Vou deixar de colher as sinecuras da vida lírica que gostaria de ter para angariar as benesses do imediatismo, da vida orçada e dividida em percentuais. Saio da floresta de celofane para entrar no mundo desencantado do Excel. Diminuo os livros e compro apostilas. Troco o sangue-de-boi do pé-sujo na Rua de Santanna pela água mineral no horário marcado na academia. Ignoro meus acessos de alma hipocondríaca e troco a irascibilidade criativa pelo cálculo frio. Deixo o liberalismo pela economia planificada. Em lugar da taquifagia ambiciosa, dos delírios intelectualóides, absorverei números e frases das engrenagens burocráticas.
A beleza da inconseqüência, afinal, tem prazo de validade.
Só agora percebi o quanto de tautologia havia na minha vida. Sempre que chegava perto, o que eu queria era exatamente o que mais me escapava. Esse suplício de Tântalo vai ter que acabar. Qualquer coisa que me dê lucro será devidamente desvinculada daquelas várias outras coisas que me alentam. O que mais quero, o que mais gosto, virará o prazer pelo prazer. Êxtase dionisíaco, só nas horas vagas, em aulas, leituras, poesias, estudos e elucubrações diletantes. De resto, serei autômato.
domingo, abril 18, 2004
Romance sem palavras
Ontem li um livro. Pequeno, claro - 134 páginas - mas há muito eu não lia um livro em uma noite.
A inquietude não me deixa ler. Paradoxalmente, a leitura me acalma. Quando estou inquieta, preocupada, fazendo planos difusos que não terei condições de executar, a decisão de começar a ler um livro é tarefa hercúlea. Em momentos de inquietude sempre há algo mais urgente a ser feito ou pensado do que começar a ler um livro. Até a TV parece mais apropriada.
Mas, como todo recomeço é libertador: eu ontem li um livro.
Ontem li um livro. Pequeno, claro - 134 páginas - mas há muito eu não lia um livro em uma noite.
A inquietude não me deixa ler. Paradoxalmente, a leitura me acalma. Quando estou inquieta, preocupada, fazendo planos difusos que não terei condições de executar, a decisão de começar a ler um livro é tarefa hercúlea. Em momentos de inquietude sempre há algo mais urgente a ser feito ou pensado do que começar a ler um livro. Até a TV parece mais apropriada.
Mas, como todo recomeço é libertador: eu ontem li um livro.
terça-feira, abril 13, 2004
Tédio
A melhor arma contra o tédio é tomar uma atitude neurótico-frenética. Balançar os pés como se não tivesse controle sobre eles. Comer os cantos das unhas. Estalar osso por osso. Contar as pedrinhas portuguesas do chão. Assassinar formigas indefesas com o calcanhar. Ver até onde o chiclete mastigado vai sem arrebentar.
Uma época, no colégio, fiz uma oficina de origami e acreditei que ali estava uma atividade em potencial para combater este sentimento ignóbil, destruidor do bom-senso que me era peculiar. Cheguei ao nível de construir um piano de cauda (não me perguntem como) durante a aula e arrancar elogios do professor cabeludo. Mais tarde, em casa, desperdicei metade de um pacote de chamequinho tentando reproduzir a façanha. Ali terminou minha carreira na arte oriental.
Restou-me o básico no combate ao tédio: papel, caneta e um par de olhos. E assim continuei anotando qualquer coisa que me viesse à mente, qualquer pensamento estranho, rima, palavra inventada, idéia, nome, teoria. Olhando ao redor, eu analisava algum ponto, um detalhe da paisagem ou mesmo uma pessoa que me chamasse a atenção, e começava a descrever aquilo freneticamente.
É uma sensação ótima, a de não saber nada sobre a pessoa ou a situação e tentar descrevê-las como parecem ser. Eu imaginava que os livros nasciam assim: o escritor sentava à beira de um lago, observava os pássaros e o céu e aquilo o levava a viajar por lugares maravilhosos que se tornariam cenários de grandes aventuras. Achava que “A ilha do tesouro” assim havia começado. Eu via Agatha Christie aconchegada numa poltrona rosada, de frente para a janela, tomando chá enquanto via lá fora as pessoas indo e vindo, e a partir delas criava um novo caso genial para Hercule Poirot ou Miss Marple. Para mim, os melhores livros do mundo deviam ter começado em bancos de praças, filas, salas de espera, pontos de ônibus. Mais do que possuir um talento imanente, os escritores eram simples mortais entediados que tomaram gosto por observar e analisar a natureza humana.
Por isso eu passei a colocar na bolsa, sempre que lembrava, uma agenda, um caderno, um bloco ou um bando de papéis desorganizados. Peguei o hábito (mania? neurose? transtorno obsessivo-compulsivo?) de fazer anotações, a maioria sem sentido, boa parte pela metade, muitas perdidas, mas todas muito, muito divertidas. Pode ser que eu jamais escreva um livro. Mas de tédio eu não morro.
A melhor arma contra o tédio é tomar uma atitude neurótico-frenética. Balançar os pés como se não tivesse controle sobre eles. Comer os cantos das unhas. Estalar osso por osso. Contar as pedrinhas portuguesas do chão. Assassinar formigas indefesas com o calcanhar. Ver até onde o chiclete mastigado vai sem arrebentar.
Uma época, no colégio, fiz uma oficina de origami e acreditei que ali estava uma atividade em potencial para combater este sentimento ignóbil, destruidor do bom-senso que me era peculiar. Cheguei ao nível de construir um piano de cauda (não me perguntem como) durante a aula e arrancar elogios do professor cabeludo. Mais tarde, em casa, desperdicei metade de um pacote de chamequinho tentando reproduzir a façanha. Ali terminou minha carreira na arte oriental.
Restou-me o básico no combate ao tédio: papel, caneta e um par de olhos. E assim continuei anotando qualquer coisa que me viesse à mente, qualquer pensamento estranho, rima, palavra inventada, idéia, nome, teoria. Olhando ao redor, eu analisava algum ponto, um detalhe da paisagem ou mesmo uma pessoa que me chamasse a atenção, e começava a descrever aquilo freneticamente.
É uma sensação ótima, a de não saber nada sobre a pessoa ou a situação e tentar descrevê-las como parecem ser. Eu imaginava que os livros nasciam assim: o escritor sentava à beira de um lago, observava os pássaros e o céu e aquilo o levava a viajar por lugares maravilhosos que se tornariam cenários de grandes aventuras. Achava que “A ilha do tesouro” assim havia começado. Eu via Agatha Christie aconchegada numa poltrona rosada, de frente para a janela, tomando chá enquanto via lá fora as pessoas indo e vindo, e a partir delas criava um novo caso genial para Hercule Poirot ou Miss Marple. Para mim, os melhores livros do mundo deviam ter começado em bancos de praças, filas, salas de espera, pontos de ônibus. Mais do que possuir um talento imanente, os escritores eram simples mortais entediados que tomaram gosto por observar e analisar a natureza humana.
Por isso eu passei a colocar na bolsa, sempre que lembrava, uma agenda, um caderno, um bloco ou um bando de papéis desorganizados. Peguei o hábito (mania? neurose? transtorno obsessivo-compulsivo?) de fazer anotações, a maioria sem sentido, boa parte pela metade, muitas perdidas, mas todas muito, muito divertidas. Pode ser que eu jamais escreva um livro. Mas de tédio eu não morro.
A moça
Ela varre com muito mais capricho do que eu quando escrevo. É jovem; uns 23 anos, no máximo. Desce a escada da rodoviária, degrau por degrau, puxando cada resquício de poeira com afinco indescritível. É um ritual: primeiro o pé esquerdo, depois o direito, a vassoura começando pelos cantos em direção ao meio. Quando tudo parece pronto, ela recomeça, no mesmo degrau, até atingir a perfeição. Os tênis, surrados, um dia devem ter sido brancos. As meias, azuis e desbotadas, não combinam em nada com a camisa branca de golas verde-musgo com o nome em letras garrafais: SOCICAM. Ela é terceirizada.
A canela cheia de marcas denuncia uma infância feliz, longínqua, de brincadeiras. O rosto dela é simples: as sobrancelhas jamais devem ter visto uma pinça, mas os traços finos suavizam a expressão que, no fundo, parece ser de indiferença. A moça limpa a escada como quem vê televisão ou espera na fila do banco – varrer os infinitos degraus da rodoviária parece um destino ao qual está conformada. Às vezes, ela sussurra uma música irreconhecível. Pára por alguns segundos, depois volta, exatamente no mesmo tom – provavelmente é um refrão. Seus movimentos continuam a se repetir, impecavelmente. A moça é parte da paisagem cheia de histórias dos que vão e dos que vêm diariamente, mas, às 23h50 de uma sexta-feira abafada, ela varre a escada que é só dela. E nada me faria mais feliz nesse momento do que saber se a moça tem um sonho.
Ela varre com muito mais capricho do que eu quando escrevo. É jovem; uns 23 anos, no máximo. Desce a escada da rodoviária, degrau por degrau, puxando cada resquício de poeira com afinco indescritível. É um ritual: primeiro o pé esquerdo, depois o direito, a vassoura começando pelos cantos em direção ao meio. Quando tudo parece pronto, ela recomeça, no mesmo degrau, até atingir a perfeição. Os tênis, surrados, um dia devem ter sido brancos. As meias, azuis e desbotadas, não combinam em nada com a camisa branca de golas verde-musgo com o nome em letras garrafais: SOCICAM. Ela é terceirizada.
A canela cheia de marcas denuncia uma infância feliz, longínqua, de brincadeiras. O rosto dela é simples: as sobrancelhas jamais devem ter visto uma pinça, mas os traços finos suavizam a expressão que, no fundo, parece ser de indiferença. A moça limpa a escada como quem vê televisão ou espera na fila do banco – varrer os infinitos degraus da rodoviária parece um destino ao qual está conformada. Às vezes, ela sussurra uma música irreconhecível. Pára por alguns segundos, depois volta, exatamente no mesmo tom – provavelmente é um refrão. Seus movimentos continuam a se repetir, impecavelmente. A moça é parte da paisagem cheia de histórias dos que vão e dos que vêm diariamente, mas, às 23h50 de uma sexta-feira abafada, ela varre a escada que é só dela. E nada me faria mais feliz nesse momento do que saber se a moça tem um sonho.
quarta-feira, março 31, 2004
Jo, la Pendeja
Eu prometi a mim mesma que ia voltar a falar de coisas sérias. Ia criticar o Bush, citar um cara bonzão, me meter a falar sobre alguma forma de arte. Ou sobre o golpe de 64. Pensei em escrever sobre meu tio-avô, general que liderou as tropas do destacamento de Tiradentes até o Rio. Cogitei a hipótese de finalmente tocar no assunto Israel/Palestina.
Mas essas coisas sérias dão muita preguiça, e não têm me tocado tanto quanto meus próprios pequenos problemas. Acho que estou virando uma pessoa egoísta. E, pior, isto aqui está virando um diário.
Quanto menos tempo eu tenho para ler, estudar, escrever, ir à praia, malhar, jogar uma pelada, mais ranzinza eu fico. E quando eu acho que não estou produzindo, evoluindo, aprendendo, mais eu vejo o lado negro da Força. Meus amigos que me perdoem: não é TPM. Não está passando.
Mas alguns desses amigos estão me ensinando, mesmo sem querer, uma lição valiosa - não ligar tanto para as coisas. Em inglês, eu diria que eles são experts em whatever. Em bom portugês, digo que eles sabem como poucos ligar aquele botão escondido que todos devemos ter, com aquela palavra feia que começa com "F". Aos poucos, vou deixando de ser tão caxias, vou aprendendo que não posso fazer tudo com perfeição e que, no final das contas, tudo vai dar certo, mesmo que eu não tenha o mundo sob controle.
Só que ainda está difícil: perdoem meu mau-humor. Não tem nada mais chato do que conviver com alguém que vive reclamando da vida.
Eu prometi a mim mesma que ia voltar a falar de coisas sérias. Ia criticar o Bush, citar um cara bonzão, me meter a falar sobre alguma forma de arte. Ou sobre o golpe de 64. Pensei em escrever sobre meu tio-avô, general que liderou as tropas do destacamento de Tiradentes até o Rio. Cogitei a hipótese de finalmente tocar no assunto Israel/Palestina.
Mas essas coisas sérias dão muita preguiça, e não têm me tocado tanto quanto meus próprios pequenos problemas. Acho que estou virando uma pessoa egoísta. E, pior, isto aqui está virando um diário.
Quanto menos tempo eu tenho para ler, estudar, escrever, ir à praia, malhar, jogar uma pelada, mais ranzinza eu fico. E quando eu acho que não estou produzindo, evoluindo, aprendendo, mais eu vejo o lado negro da Força. Meus amigos que me perdoem: não é TPM. Não está passando.
Mas alguns desses amigos estão me ensinando, mesmo sem querer, uma lição valiosa - não ligar tanto para as coisas. Em inglês, eu diria que eles são experts em whatever. Em bom portugês, digo que eles sabem como poucos ligar aquele botão escondido que todos devemos ter, com aquela palavra feia que começa com "F". Aos poucos, vou deixando de ser tão caxias, vou aprendendo que não posso fazer tudo com perfeição e que, no final das contas, tudo vai dar certo, mesmo que eu não tenha o mundo sob controle.
Só que ainda está difícil: perdoem meu mau-humor. Não tem nada mais chato do que conviver com alguém que vive reclamando da vida.
terça-feira, março 23, 2004
Mel novamente
Vi "A paixão de Cristo". Sem querer analisar o filme enquanto obra cinematográfica, não gostei do exagero de cenas dramaticamente em câmera lenta. Não vá esperando uma obra-prima. É um filme para quem é religioso (cristão, de preferência) ou pelo menos tem algum conhecimento dos Evangelhos. Se não tiver, é melhor nem aparecer no cinema para não se irritar, pois não há uma história contada, uma narrativa, e alguns pontos podem parecer obscuros. Ao contrário do que meu amigo André Miranda pensa, muita gente realmente não conhece a história e acha que basta saber que Jesus foi crucificado e ressucitou no terceiro dia para poder ir ao cinema e criticar tudo.
Gostei muito mais do que esperava. Chorei um pouco mais do que esperava. E me senti pequena, mínima, ridícula, ao sair do São Luiz.
É um filme para quem, no mínimo, reza um pouquinho. E, numa boa, não tem nada de anti-semita.
Vi "A paixão de Cristo". Sem querer analisar o filme enquanto obra cinematográfica, não gostei do exagero de cenas dramaticamente em câmera lenta. Não vá esperando uma obra-prima. É um filme para quem é religioso (cristão, de preferência) ou pelo menos tem algum conhecimento dos Evangelhos. Se não tiver, é melhor nem aparecer no cinema para não se irritar, pois não há uma história contada, uma narrativa, e alguns pontos podem parecer obscuros. Ao contrário do que meu amigo André Miranda pensa, muita gente realmente não conhece a história e acha que basta saber que Jesus foi crucificado e ressucitou no terceiro dia para poder ir ao cinema e criticar tudo.
Gostei muito mais do que esperava. Chorei um pouco mais do que esperava. E me senti pequena, mínima, ridícula, ao sair do São Luiz.
É um filme para quem, no mínimo, reza um pouquinho. E, numa boa, não tem nada de anti-semita.
segunda-feira, março 15, 2004
Que Mel Gibson, que nada
Quem tiver a sorte de estar em Petrolina nos dias 8, 9 e 10 de abril não pode perder a encenação de "A paixão de Cristo" que vai ter por lá. Susana Werner fará o papel de Maria Madalena e o Cigano Igor, vulgo Ricardo Macchi, será Pôncio Pilatos. Não quero nem imaginar quem fará o papel de Jesus Cristo.
Quem tiver a sorte de estar em Petrolina nos dias 8, 9 e 10 de abril não pode perder a encenação de "A paixão de Cristo" que vai ter por lá. Susana Werner fará o papel de Maria Madalena e o Cigano Igor, vulgo Ricardo Macchi, será Pôncio Pilatos. Não quero nem imaginar quem fará o papel de Jesus Cristo.
sábado, março 13, 2004
Sábado de sol
O que se pode pensar num sábado ensolarado no Rio de Janeiro, às 7h da manhã, quando se tem que trabalhar sem receber por isso? Eu havia prometido a mim mesma que não ia mais ficar reclamando da vida. Meu Deus, 200 pessoas morrem num atentado terrorista, tantos milhões não têm o que comer, milhões de outros penam com terríveis problemas de saúde, e eu aqui, com tudo funcionando, família, emprego, saúde e doses básicas de inteligência e fé...Vou reclamar de quê? Por isso, fico tentando me convencer de que está tudo muito bom, tudo muito bem. Que qualquer vestígio de desânimo é fruto do meu recorrente excesso de umbiguismo. Que, como naquela música (meio irritante), "o melhor lugar do mundo é aqui e agora".
Às vezes é difícil. Principalmente quando insisto em usar todos os tempos verbais que aprendi no colégio. Olho para o passado e me vejo em San Diego, feliz e contente. Ou aqui no Rio mesmo, jogando vôlei, sem preocupações de dinheiro, chefe, estresse. Ou em Belo Horizonte, me apaixonando pelo homem da minha vida. Olho para o futuro e a vida me parece cintilante, cheia promessas e muito, muito tranqüila. Com a peneira do tempo, os problemas das águas passadas evaporam e os das águas por vir permanecem condensados. Então tento reacender minha porção Polyanna, que de vez em quando se resguarda. Verto os olhos para as desgraças do mundo, do país, do Rio, e concluo: sou uma privilegiada.
Mas aí basta me mandarem passar três horas sentada num casulo gelado ouvindo "Bom dia governadora" e "Encontro marcado com o Garotinho" para eu rever meus conceitos e me autodecretar a alma mais infeliz deste sábado de sol.
O que se pode pensar num sábado ensolarado no Rio de Janeiro, às 7h da manhã, quando se tem que trabalhar sem receber por isso? Eu havia prometido a mim mesma que não ia mais ficar reclamando da vida. Meu Deus, 200 pessoas morrem num atentado terrorista, tantos milhões não têm o que comer, milhões de outros penam com terríveis problemas de saúde, e eu aqui, com tudo funcionando, família, emprego, saúde e doses básicas de inteligência e fé...Vou reclamar de quê? Por isso, fico tentando me convencer de que está tudo muito bom, tudo muito bem. Que qualquer vestígio de desânimo é fruto do meu recorrente excesso de umbiguismo. Que, como naquela música (meio irritante), "o melhor lugar do mundo é aqui e agora".
Às vezes é difícil. Principalmente quando insisto em usar todos os tempos verbais que aprendi no colégio. Olho para o passado e me vejo em San Diego, feliz e contente. Ou aqui no Rio mesmo, jogando vôlei, sem preocupações de dinheiro, chefe, estresse. Ou em Belo Horizonte, me apaixonando pelo homem da minha vida. Olho para o futuro e a vida me parece cintilante, cheia promessas e muito, muito tranqüila. Com a peneira do tempo, os problemas das águas passadas evaporam e os das águas por vir permanecem condensados. Então tento reacender minha porção Polyanna, que de vez em quando se resguarda. Verto os olhos para as desgraças do mundo, do país, do Rio, e concluo: sou uma privilegiada.
Mas aí basta me mandarem passar três horas sentada num casulo gelado ouvindo "Bom dia governadora" e "Encontro marcado com o Garotinho" para eu rever meus conceitos e me autodecretar a alma mais infeliz deste sábado de sol.
sábado, fevereiro 28, 2004
Ele se supera
Do artigo de hoje do Olavo de Carvalho: "O que se passa no Brasil é a Revolução Gramsciana, manifestação local da grande estratégia comunista mundial." Ele está melhor a cada sábado.
***
Bizarro
A Faculdade Armando Álvares Penteado (Faap), de Sampa, está lançando o primeiro MBA em Gestão do Luxo do país (quiçá do mundo). Entre os docentes, a relações-públicas da Daslu, uma badalada assessora de imprensa com passagens por Cartier, Louis Vuitton, Möet & Chandon e Emporio Armani e o CEO da Montblanc no Brasil.
Detalhes: as aulas serão no Hotel Sofitel e o MBA custará a bagatela de R$ 36 mil (divididos em 20 parcelas de R$ 1,8 mil).
Ao fim do curso, imagino que o melhor será quando alguém perguntar a um formando o que faz da vida: "Sou gestora do luxo".
Do artigo de hoje do Olavo de Carvalho: "O que se passa no Brasil é a Revolução Gramsciana, manifestação local da grande estratégia comunista mundial." Ele está melhor a cada sábado.
***
Bizarro
A Faculdade Armando Álvares Penteado (Faap), de Sampa, está lançando o primeiro MBA em Gestão do Luxo do país (quiçá do mundo). Entre os docentes, a relações-públicas da Daslu, uma badalada assessora de imprensa com passagens por Cartier, Louis Vuitton, Möet & Chandon e Emporio Armani e o CEO da Montblanc no Brasil.
Detalhes: as aulas serão no Hotel Sofitel e o MBA custará a bagatela de R$ 36 mil (divididos em 20 parcelas de R$ 1,8 mil).
Ao fim do curso, imagino que o melhor será quando alguém perguntar a um formando o que faz da vida: "Sou gestora do luxo".
quinta-feira, fevereiro 26, 2004
E=mc²
Sempre gostei das aulas de física. Apesar de não ser nenhum gênio no assunto, achava as leis de Newton o maior barato. Mesmo concordando com meu mitológico professor de matemática, Fabiano, que implicava com o de física, Haroldo (dois coroas gente boa e amigos de destilados e leveduras), dizendo que não se podia levar a sério uma disciplina que oferecia problemas como "um elefante desce a ladeira a 20 km/h. Ignore o atrito e calcule...": mesmo assim eu gostava de física. Achava o Einstein um cara fantástico, um maluco que, como a maioria dos verdadeiramente malucos, deu certo. Isso não quer dizer que eu entendesse a fundo a teoria da relatividade, claro - o que não me impedia de guardar como um troféu aquela foto clássica dele com a língua para fora.
Mas as aulas de redação, história e português/literatura eram o meu delírio. Era mais interessante arquitetar as coisas, romancear o mundo, reinventar os acontecimentos históricos e saber o que outros antes haviam interpretado ou escrito, do que entender as coisas o mais próximo possível do "como elas são". Números são mágicos - trigonometria era uma verdadeira viagem -, mas melhores ainda são as palavras. O tempo voava nas aulas de história, literatura, sociologia, geografia política. E se arrastava na química, com suas intermináveis cadeias de carbonos, benzenos e metil-propil-o-raio-que-los-partam. Essa era, para mim, a maior prova da teoria da relatividade.
Mas hoje fiquei sabendo que o tempo, esse algo infindável, quase incomensurável, pode ser quebrado em micro-unidades menores do que eu jamais conseguiria imaginar. O menor intervalo de tempo do mundo, revela-nos o Sr. Ferenc Krausz, é de 100 atossegundos, o equivalente a dez milhões de bilionésimos de segundo.
Os caras austríacos que descobriram isso usaram emissões de raios laser para observar um elétron movimentando-se dentro de um átomo, e distinguiram eventos ocorridos em intervalos de 100 atossegundos. Segundo Krausz, para entender o que essa ínfima parcela de tempo representa seria preciso esticar 100 atossegundos até que eles durassem um segundo (numa escala similar, um segundo duraria cerca de 300 milhões de anos). Um elétron (o negativo, lembra?!), segundo o estudo, leva 150 atossegundos para orbitar um próton (o positivo..) no centro de um átomo de hidrogênio. Meu Deus, dá para uma lagartixa piscar o olho nesse tempo?
Se soubesse antes que isso é quanto dura o menor instante possível, teria aproveitado cada medida de 100 atossegundos que passei nas aulas de química e física estudando história, jogando vôlei na praia, beijando na boca, aprendendo a tocar violão e, principalmente, lendo livros. Afinal, é mais fácil e divertido levar a sério as epopéias de Danton, Tiradentes, Ulisses e Mr. Frodo do que a de um elefante que desce a ladeira sem causar atrito.
Sempre gostei das aulas de física. Apesar de não ser nenhum gênio no assunto, achava as leis de Newton o maior barato. Mesmo concordando com meu mitológico professor de matemática, Fabiano, que implicava com o de física, Haroldo (dois coroas gente boa e amigos de destilados e leveduras), dizendo que não se podia levar a sério uma disciplina que oferecia problemas como "um elefante desce a ladeira a 20 km/h. Ignore o atrito e calcule...": mesmo assim eu gostava de física. Achava o Einstein um cara fantástico, um maluco que, como a maioria dos verdadeiramente malucos, deu certo. Isso não quer dizer que eu entendesse a fundo a teoria da relatividade, claro - o que não me impedia de guardar como um troféu aquela foto clássica dele com a língua para fora.
Mas as aulas de redação, história e português/literatura eram o meu delírio. Era mais interessante arquitetar as coisas, romancear o mundo, reinventar os acontecimentos históricos e saber o que outros antes haviam interpretado ou escrito, do que entender as coisas o mais próximo possível do "como elas são". Números são mágicos - trigonometria era uma verdadeira viagem -, mas melhores ainda são as palavras. O tempo voava nas aulas de história, literatura, sociologia, geografia política. E se arrastava na química, com suas intermináveis cadeias de carbonos, benzenos e metil-propil-o-raio-que-los-partam. Essa era, para mim, a maior prova da teoria da relatividade.
Mas hoje fiquei sabendo que o tempo, esse algo infindável, quase incomensurável, pode ser quebrado em micro-unidades menores do que eu jamais conseguiria imaginar. O menor intervalo de tempo do mundo, revela-nos o Sr. Ferenc Krausz, é de 100 atossegundos, o equivalente a dez milhões de bilionésimos de segundo.
Os caras austríacos que descobriram isso usaram emissões de raios laser para observar um elétron movimentando-se dentro de um átomo, e distinguiram eventos ocorridos em intervalos de 100 atossegundos. Segundo Krausz, para entender o que essa ínfima parcela de tempo representa seria preciso esticar 100 atossegundos até que eles durassem um segundo (numa escala similar, um segundo duraria cerca de 300 milhões de anos). Um elétron (o negativo, lembra?!), segundo o estudo, leva 150 atossegundos para orbitar um próton (o positivo..) no centro de um átomo de hidrogênio. Meu Deus, dá para uma lagartixa piscar o olho nesse tempo?
Se soubesse antes que isso é quanto dura o menor instante possível, teria aproveitado cada medida de 100 atossegundos que passei nas aulas de química e física estudando história, jogando vôlei na praia, beijando na boca, aprendendo a tocar violão e, principalmente, lendo livros. Afinal, é mais fácil e divertido levar a sério as epopéias de Danton, Tiradentes, Ulisses e Mr. Frodo do que a de um elefante que desce a ladeira sem causar atrito.
terça-feira, fevereiro 10, 2004
Não tem preço
Ontem, minha primeira noite de pseudoférias na facul, fui tomar aquela dose sazonal de glicose audiovisual. Falem mal à vontade, mas ver filminhos como o açucarado "O Sorriso de Mona Lisa" é uma DELÍCIA. Fofocar, rir das situações bizarras da vida, comer confeti, gargalhar à toa, suspirar com a absolutamente magnânima Julia Roberts e deixar escorrer aquela lágrima de aspartame ao lado de sua grande amiga: não tem preço. E o melhor é que ela nunca agüenta comer as batatas fritas até o fim.
Ontem, minha primeira noite de pseudoférias na facul, fui tomar aquela dose sazonal de glicose audiovisual. Falem mal à vontade, mas ver filminhos como o açucarado "O Sorriso de Mona Lisa" é uma DELÍCIA. Fofocar, rir das situações bizarras da vida, comer confeti, gargalhar à toa, suspirar com a absolutamente magnânima Julia Roberts e deixar escorrer aquela lágrima de aspartame ao lado de sua grande amiga: não tem preço. E o melhor é que ela nunca agüenta comer as batatas fritas até o fim.
quinta-feira, fevereiro 05, 2004
Auri sacra fames
- São dez anos para eu poder dar entrada num apartamento, e mais dez para pagar as prestações. São 20 anos com a preocupação de dar tanto por mês para a Caixa Econômica.
- Vinte anos passa rápido!
- Passa nada, é uma vida...
- Um ano é uma vida, e às vezes 100 anos são uma vida...Você vai ver que cada mísero centavo trabalhado, suado, vale a pena.
- Quer saber? Meu sonho é arrumar um emprego em que eu ganhe um pouquinho melhor para eu poder comprar um carro legal. Estou cansado de tanto ônibus na vida. Queria ganhar um pouquinho mais.
- Meu sonho é arrumar um emprego em que eu trabalhe um pouquinho menos...
*******
Após mais esse papo bizarro pescado sem-querer-querendo na maior sauna pública do Rio de Janeiro, o elevador da Uerj, eu fiquei aqui pensando com os meus botões.
Suponhamos que eu ganhe $ X por mês, para fazer quatro trabalhos durante 8 horas por dia. Se recebesse duas opções: 1) trabalhar 10 horas, fazendo cinco trabalhos, e aumentar meu salário em 25% ou 2) trabalhar 6 horas, fazendo três trabalhos, e diminuir meu salário em 25%. Suponhamos que X menos 25% sejam suficientes para eu viver. O que eu faria? O que a maioria das pessoas escolheria???
A resposta é a seguinte: o capitalismo é a força mais significativa de nossa vida moderna. A aquisição é encarada como finalidade, e a necessidade é um conceito flutuante, que se desmancha no ar. O trabalho, cada vez mais executado como um fim em si mesmo, como uma "vocação", confunde-se com o dinheiro. Há pessoas que acreditam seriamente que sua vocação é ganhar dinheiro, "fazer" dinheiro.
A história econômica pode ser pensada a partir de dois pilares: a satisfação de necessidades e a aquisição. O problema é que a aquisição deve ser constante, e as necessidades, etéreas, liquefazem-se e renascem sob novas formas a cada momento. O conceito de necessidade, hoje, confunde-se com moda, materialismo vazio, bem-estar frívolo, status.
(Não entro aqui na discussão "socialismo ou barbárie". Tô fora dessa. Sem papo de superestrutura. Mas noto que, à medida que amadurecemos, as coisas passam a simplesmente ser o que são, porque assim sempre foram. Por isso gosto de questionar, mesmo sabendo que meus questionamentos não irão mudar o mundo - talvez não mudem nem a mim mesma, uma fraca marionete. Pode ser que amanhã eu considere natural um impulso consumista. Isso não me transformará numa hipócrita. E, no dia seguinte, voltarei a questionar essa razão instrumental que me rege, essa metafísica vulgar, frugal, eudemonista, que controla nossas vidas.)
Voltando da pequena digressão: o que quero dizer é que quem não adaptar sua vida às condições de sucesso capitalista será facilmente sobrepujado. A não-adaptação não é uma escolha aceitável, pois corresponde, em última instância, ao esquecimento do dever. O dever provém não de um mero bom senso, mas de um ethos particular, que, em nossa visão arrogante e metonímica, nos parece ser um ethos universal. O capital, tomado como um fim em si mesmo, encobre um ethos tão arraigado que chega a ser quase transcendental, superior à própria idéia de "felicidade".
As virtudes, hoje, são utilitárias. Virtudes nobilíssimas são a eficiência, a produtividade. Honestidade ainda é uma virtude porque assegura o bom funcionamento, o crédito, a credibilidade. Mas até a honestidade caminha rumo ao limbo das virtudes relativizáveis.
Um dos problemas decorrentes de todo esse processo é a idéia do dever profissional, tão peculiar à "ética social" da cultura capitalista, como disse Weber. Essa idéia leva as pessoas a sentirem uma obrigação quase irracional quanto ao conteúdo de sua atividade profissional, independentemente do que ela comporta. Por isso vêem-se tantos imbecis se vangloriando do "dever cumprido" ou proferindo frases prontas e estúpidas como "estou fazendo apenas o meu trabalho".
Creio que nem sempre foi assim. Um dia, a oportunidade de trabalhar mais e ganhar além do necessário foi menos atrativa do que a de trabalhar menos e ganhar o suficiente. Não pode ser verdade que esta compulsão pelo excesso e pela criação de novas necessidades seja imanente ao ser humano. A ditadura da produtividade deixa as pessoas infelizes, mas penteadas e cheirosas, social e plasticamente aceitáveis. As pessoas, mais que as coisas, são úteis. Sei lá; muitos que eu conheço, quanto mais trabalham, mais tempo lhes sobra para que trabalhem ainda mais. Os que não trabalham mais ficam enrolando, fingindo que estão atarefados. Acabar o trabalho cedo é feio, vergonhoso. Não ter ambição é humilhante, quase anti-ético.
O ser humano existe em razão de seu negócio, ao invés de se dar o contrário. Isso foi dito por Weber há exatos 100 anos, em 1904. Ainda assim, eu acredito que esse instinto perverso, essa auri sacra fames, não seja natural - muito menos irreversível.
- São dez anos para eu poder dar entrada num apartamento, e mais dez para pagar as prestações. São 20 anos com a preocupação de dar tanto por mês para a Caixa Econômica.
- Vinte anos passa rápido!
- Passa nada, é uma vida...
- Um ano é uma vida, e às vezes 100 anos são uma vida...Você vai ver que cada mísero centavo trabalhado, suado, vale a pena.
- Quer saber? Meu sonho é arrumar um emprego em que eu ganhe um pouquinho melhor para eu poder comprar um carro legal. Estou cansado de tanto ônibus na vida. Queria ganhar um pouquinho mais.
- Meu sonho é arrumar um emprego em que eu trabalhe um pouquinho menos...
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Após mais esse papo bizarro pescado sem-querer-querendo na maior sauna pública do Rio de Janeiro, o elevador da Uerj, eu fiquei aqui pensando com os meus botões.
Suponhamos que eu ganhe $ X por mês, para fazer quatro trabalhos durante 8 horas por dia. Se recebesse duas opções: 1) trabalhar 10 horas, fazendo cinco trabalhos, e aumentar meu salário em 25% ou 2) trabalhar 6 horas, fazendo três trabalhos, e diminuir meu salário em 25%. Suponhamos que X menos 25% sejam suficientes para eu viver. O que eu faria? O que a maioria das pessoas escolheria???
A resposta é a seguinte: o capitalismo é a força mais significativa de nossa vida moderna. A aquisição é encarada como finalidade, e a necessidade é um conceito flutuante, que se desmancha no ar. O trabalho, cada vez mais executado como um fim em si mesmo, como uma "vocação", confunde-se com o dinheiro. Há pessoas que acreditam seriamente que sua vocação é ganhar dinheiro, "fazer" dinheiro.
A história econômica pode ser pensada a partir de dois pilares: a satisfação de necessidades e a aquisição. O problema é que a aquisição deve ser constante, e as necessidades, etéreas, liquefazem-se e renascem sob novas formas a cada momento. O conceito de necessidade, hoje, confunde-se com moda, materialismo vazio, bem-estar frívolo, status.
(Não entro aqui na discussão "socialismo ou barbárie". Tô fora dessa. Sem papo de superestrutura. Mas noto que, à medida que amadurecemos, as coisas passam a simplesmente ser o que são, porque assim sempre foram. Por isso gosto de questionar, mesmo sabendo que meus questionamentos não irão mudar o mundo - talvez não mudem nem a mim mesma, uma fraca marionete. Pode ser que amanhã eu considere natural um impulso consumista. Isso não me transformará numa hipócrita. E, no dia seguinte, voltarei a questionar essa razão instrumental que me rege, essa metafísica vulgar, frugal, eudemonista, que controla nossas vidas.)
Voltando da pequena digressão: o que quero dizer é que quem não adaptar sua vida às condições de sucesso capitalista será facilmente sobrepujado. A não-adaptação não é uma escolha aceitável, pois corresponde, em última instância, ao esquecimento do dever. O dever provém não de um mero bom senso, mas de um ethos particular, que, em nossa visão arrogante e metonímica, nos parece ser um ethos universal. O capital, tomado como um fim em si mesmo, encobre um ethos tão arraigado que chega a ser quase transcendental, superior à própria idéia de "felicidade".
As virtudes, hoje, são utilitárias. Virtudes nobilíssimas são a eficiência, a produtividade. Honestidade ainda é uma virtude porque assegura o bom funcionamento, o crédito, a credibilidade. Mas até a honestidade caminha rumo ao limbo das virtudes relativizáveis.
Um dos problemas decorrentes de todo esse processo é a idéia do dever profissional, tão peculiar à "ética social" da cultura capitalista, como disse Weber. Essa idéia leva as pessoas a sentirem uma obrigação quase irracional quanto ao conteúdo de sua atividade profissional, independentemente do que ela comporta. Por isso vêem-se tantos imbecis se vangloriando do "dever cumprido" ou proferindo frases prontas e estúpidas como "estou fazendo apenas o meu trabalho".
Creio que nem sempre foi assim. Um dia, a oportunidade de trabalhar mais e ganhar além do necessário foi menos atrativa do que a de trabalhar menos e ganhar o suficiente. Não pode ser verdade que esta compulsão pelo excesso e pela criação de novas necessidades seja imanente ao ser humano. A ditadura da produtividade deixa as pessoas infelizes, mas penteadas e cheirosas, social e plasticamente aceitáveis. As pessoas, mais que as coisas, são úteis. Sei lá; muitos que eu conheço, quanto mais trabalham, mais tempo lhes sobra para que trabalhem ainda mais. Os que não trabalham mais ficam enrolando, fingindo que estão atarefados. Acabar o trabalho cedo é feio, vergonhoso. Não ter ambição é humilhante, quase anti-ético.
O ser humano existe em razão de seu negócio, ao invés de se dar o contrário. Isso foi dito por Weber há exatos 100 anos, em 1904. Ainda assim, eu acredito que esse instinto perverso, essa auri sacra fames, não seja natural - muito menos irreversível.
quinta-feira, janeiro 29, 2004
Não consigo mais ser engraçadinha. Não escrevo minhas besteiras no blog. Não leio nada que não seja história/jornal. Sou praticamente uma sedentária. Beijo na boca quinzenalmente. Não sento mais em bares com amigos. Não tenho sido uma pessoa divertida. Sou uma péssima companhia.
"I can physically feel it all inside - I feel bitter - you know, angry and sarcastic, and skeptical, and unhappy."
Mas a verdade é que está tudo bem. Eu reclamo só para não perder o costume.
"I can physically feel it all inside - I feel bitter - you know, angry and sarcastic, and skeptical, and unhappy."
Mas a verdade é que está tudo bem. Eu reclamo só para não perder o costume.
quarta-feira, janeiro 21, 2004
sexta-feira, janeiro 16, 2004
sexta-feira, janeiro 09, 2004
quinta-feira, janeiro 08, 2004
O primeiro dia da primeira semana do possível resto da minha vida
É sempre assim: eu não sei onde colocar as mãos, me sinto uns dois metros e meio mais alta, todas as minhas mais recônditas incompetências afloram e me torno uma atolada em potencial. O mundo inteiro me olha nos olhos e percebe que estou tre-men-do por dentro.
Podem me dizer que está tudo tranqüilo, todo mundo é gente fina, com o tempo a gente se adapta etc e tal. Eu sei disso tudo, mas ainda assim o primeiro dia de qualquer coisa é teeeeeeennnso. Logo eu, que alardeio pelos quatro cantos que adoro mudanças e novidades, que todo mundo deve mudar de estado e país pelo menos uma vez na vida, nessas horas eu me descubro uma borrona caxias, com medo de fazer perguntas imbecis e todos descobrirem que eu não nasci para fazer aquilo que escolhi fazer. Logo eu, a destemida, sou a mais tensa dos quatro neófitos no primeiro dia.
Como já me conheço há 25 anos, nessas situações eu costumo planejar tudo, tudinho mesmo, para não correr riscos. (Chegar atrasada, por exemplo, nem pensar. Às vezes o universo conspira contra o meu despertador, é verdade - o que não aconteceu desta vez, pelo menos.) Então de manhã eu ponho o CD bombação, um roquenrou para me animar e melhorar a cara de tonta que fico quando estou perdida. Na volta para casa, um CD relax, para acalmar os nervos.
Mas o problema é o durante. Porque eu detesto não ter o controle da situação. Detesto não saber como as coisas funcionam, quem sabe o quê, quem decide, que horas isso, quem resolve, que horas aquilo, quem responde. Sabe aquelas coisas de primeiro dia no primeiro emprego, quando você não sabe nem como atender o telefone da empresa? Pois todo emprego para mim é o primeiro. Os anos passam, eu fico velha, mas a tensão do primeiro dia permanece.
O pior de tudo é quando não te dão NADA para fazer. Você acorda cedo, se arruma, se perfuma, come mamão com aveia, lê o jornal, e na hora H neguinho deixa bem claro que não tinha a menor idéia de que você começaria a trabalhar naquele dia. E, óbvio, neguinho esqueceu seu nome.
Humilhação nº 1: "Oi Fernanda", e você responde "É Renata..."
Humilhação nº 2: "É....Hummm...Volte daqui a meia hora que o rapaz do treinamento deve estar chegando."
Humilhação nº 3: (uma hora depois) "Porque vocês não vão almoçar e depois a gente conversa? Estou muito ocupada agora..."
Humilhação nº 4: "É....Hummm...Ainda não sabemos onde vocês vão ficar....Tenho uma reunião e depois a gente conversa, tá?"
E, nesse ritmo, eu e meu parceiro (ele, no entanto, bem menos desconfortável que eu na posição de palhaço) passeamos pelo local das 9h até as 16h, quando, de súbito, tudo estava resolvido, e missões trabalhosas nos foram finalmente designadas.
No final do primeiro dia, eu sempre me pergunto se é isso mesmo o que vou fazer para o resto da vida. Foi mais ou menos assim no primeiro treino com ícones do vôlei, no primeiro treino numa seleção, no primeiro emprego na Unibanco Seguros, no primeiro dia de iG, nos primeiros estágios naquela TV cachorra e no jornal, e foi assim hoje.
A resposta é sempre a mesma: não sei. Não tenho a menor idéia se daqui a um tempo serei uma dona de casa feliz com meus cinco pimpolhos, se serei uma jornalista e aprendiz de escritora, se venderei roupas numa loja de shopping ou se darei aulas de História para crianças pobres na rede municipal. Porque tudo o que quero é uma rotina tranqüila, mas quando a consigo, tudo o que quero é um primeiro dia em algo diferente.
05/01
É sempre assim: eu não sei onde colocar as mãos, me sinto uns dois metros e meio mais alta, todas as minhas mais recônditas incompetências afloram e me torno uma atolada em potencial. O mundo inteiro me olha nos olhos e percebe que estou tre-men-do por dentro.
Podem me dizer que está tudo tranqüilo, todo mundo é gente fina, com o tempo a gente se adapta etc e tal. Eu sei disso tudo, mas ainda assim o primeiro dia de qualquer coisa é teeeeeeennnso. Logo eu, que alardeio pelos quatro cantos que adoro mudanças e novidades, que todo mundo deve mudar de estado e país pelo menos uma vez na vida, nessas horas eu me descubro uma borrona caxias, com medo de fazer perguntas imbecis e todos descobrirem que eu não nasci para fazer aquilo que escolhi fazer. Logo eu, a destemida, sou a mais tensa dos quatro neófitos no primeiro dia.
Como já me conheço há 25 anos, nessas situações eu costumo planejar tudo, tudinho mesmo, para não correr riscos. (Chegar atrasada, por exemplo, nem pensar. Às vezes o universo conspira contra o meu despertador, é verdade - o que não aconteceu desta vez, pelo menos.) Então de manhã eu ponho o CD bombação, um roquenrou para me animar e melhorar a cara de tonta que fico quando estou perdida. Na volta para casa, um CD relax, para acalmar os nervos.
Mas o problema é o durante. Porque eu detesto não ter o controle da situação. Detesto não saber como as coisas funcionam, quem sabe o quê, quem decide, que horas isso, quem resolve, que horas aquilo, quem responde. Sabe aquelas coisas de primeiro dia no primeiro emprego, quando você não sabe nem como atender o telefone da empresa? Pois todo emprego para mim é o primeiro. Os anos passam, eu fico velha, mas a tensão do primeiro dia permanece.
O pior de tudo é quando não te dão NADA para fazer. Você acorda cedo, se arruma, se perfuma, come mamão com aveia, lê o jornal, e na hora H neguinho deixa bem claro que não tinha a menor idéia de que você começaria a trabalhar naquele dia. E, óbvio, neguinho esqueceu seu nome.
Humilhação nº 1: "Oi Fernanda", e você responde "É Renata..."
Humilhação nº 2: "É....Hummm...Volte daqui a meia hora que o rapaz do treinamento deve estar chegando."
Humilhação nº 3: (uma hora depois) "Porque vocês não vão almoçar e depois a gente conversa? Estou muito ocupada agora..."
Humilhação nº 4: "É....Hummm...Ainda não sabemos onde vocês vão ficar....Tenho uma reunião e depois a gente conversa, tá?"
E, nesse ritmo, eu e meu parceiro (ele, no entanto, bem menos desconfortável que eu na posição de palhaço) passeamos pelo local das 9h até as 16h, quando, de súbito, tudo estava resolvido, e missões trabalhosas nos foram finalmente designadas.
No final do primeiro dia, eu sempre me pergunto se é isso mesmo o que vou fazer para o resto da vida. Foi mais ou menos assim no primeiro treino com ícones do vôlei, no primeiro treino numa seleção, no primeiro emprego na Unibanco Seguros, no primeiro dia de iG, nos primeiros estágios naquela TV cachorra e no jornal, e foi assim hoje.
A resposta é sempre a mesma: não sei. Não tenho a menor idéia se daqui a um tempo serei uma dona de casa feliz com meus cinco pimpolhos, se serei uma jornalista e aprendiz de escritora, se venderei roupas numa loja de shopping ou se darei aulas de História para crianças pobres na rede municipal. Porque tudo o que quero é uma rotina tranqüila, mas quando a consigo, tudo o que quero é um primeiro dia em algo diferente.
05/01
domingo, janeiro 04, 2004
quarta-feira, dezembro 24, 2003
Zoroastro, a manjedoura e a rabanada
O mazdeísmo foi uma crença religiosa que surgiu muito antes do cristianismo, talvez cerca de nove mil anos atrás. O profeta Zaratrusta (Zoroastro para os gregos) teve uma cosmovisão de um deus único, um deus de amor, sabedoria e luz. Passou a pregar a existência do Ahura Mazda, o demiurgo, criador e ordenador do universo, que se dividiu entre Ormuz e Arimã (ou Ahriman).
Ormuz escolheu o caminho da luz, do Bem, enquanto Arimã optou pelas trevas, pelo mal - exatamente porque o Mal, ao dimensionar o Bem, proporciona prazer (a única forma de se ter prazer é entender a interrupção deste...). Aí, note-se, já estava representado o livre-arbítrio - para os seguidores de Zaratrusta, o ser humano era julgado de acordo com a natureza de suas palavras, seus pensamentos e atos; a recompensa para os bons era o paraíso, a "melhor existência", e para os maus, o inferno, uma "existência infernal". A morte seria uma construção da condição humana, fruto da escolha pelo Mal. O Mal é o império de Arimã sobre a consciência das pessoas, e seria preciso renunciar a ele e seguir o caminho de Ormuz, da plenitude (representada pelo fogo) para alcançar a vida eterna. A "morte", então, é a fragmentação necessária para a verdadeira vida.
Este mundo terminará um dia: o Ahura Mazda deveria enviar um "messias", o Saoshyant, uma espécie de anjo que nasceria de uma virgem e seria anunciado por uma estrela. Este enviado guiaria os homens no caminho de Ormuz até o fim, a ressurreição dos mortos (e o fim de Arimã). O Saoshyant seria animado pelo Spenta Manyu, algo semelhante ao Espírito Santo cristão.
O mazdeísmo (também chamado de zoroastrismo) era a religião dos persas, e quando Ciro invadiu o império babilônico (539 a.C.), os judeus o tomaram por libertador: o deus dos persas "correspondia" ao deus dos judeus (livro do profeta Isaías). Ciro reconstruiu o Templo de Jerusalém, que havia sido destruído pelos babilônios em 586 a.C. e formou-se uma espécie de aliança entre persas e judeus, originando as seitas judaicas da região do Mar Morto, donde infere-se que, em certo momento, muito antes dos Judeus por Jesus reverenciados por meu amigo Miguelito, existiram judeus que acreditaram na vinda do messias, mas conforme a visão mazdeísta de que este seria um anjo. Por isso os chamados "manuscritos do Mar Morto" são considerados por alguns pesquisadores como o "elo perdido" entre o judaísmo e o cristianismo.
Bem, apesar desta historinha, apesar de a religião cristã congregar aspectos do mazdeísmo, do judaísmo e até de seitas pagãs e gnósticas - apesar da escolha da data de 25 de dezembro para o nascimento do messias e do pinheiro como a árvore-símbolo provavelmente serem provenientes da crença dos Mistérios de Mitra, difundida durante o Império Romano; apesar de muitos compararem a assunção de Nossa Senhora ao mito de Diana de Éfeso e associarem Cosme e Damião a Castor e Pólux - apesar de tudo isso e mais um pouco, eu tenho fé. E Natal, para mim, muito mais do que peru e rabanada, presentes, tradição, família, antecedentes históricos, evangelhos apócrifos e tal, é isso: FÉ.
****
Confirmando a sandice: essa história toda me veio à cabeça quando, em um momento automático de leitura do jornal (boa desculpa), li meu horóscopo deste mágico dia 24 de dezembro: "O Sol está entrando em sua 8ª casa, que simboliza a morte e também a eternidade, os mistérios, o fim para um novo começo, o sexo e as forças vitais que habitam o interior da matéria, pois é na matéria que estão ocultos todos os mistérios". Se você for geminiano, junte-se a mim e cantemos aos sátiros e brindemos às entidades da Floresta da Tijuca.
O mazdeísmo foi uma crença religiosa que surgiu muito antes do cristianismo, talvez cerca de nove mil anos atrás. O profeta Zaratrusta (Zoroastro para os gregos) teve uma cosmovisão de um deus único, um deus de amor, sabedoria e luz. Passou a pregar a existência do Ahura Mazda, o demiurgo, criador e ordenador do universo, que se dividiu entre Ormuz e Arimã (ou Ahriman).
Ormuz escolheu o caminho da luz, do Bem, enquanto Arimã optou pelas trevas, pelo mal - exatamente porque o Mal, ao dimensionar o Bem, proporciona prazer (a única forma de se ter prazer é entender a interrupção deste...). Aí, note-se, já estava representado o livre-arbítrio - para os seguidores de Zaratrusta, o ser humano era julgado de acordo com a natureza de suas palavras, seus pensamentos e atos; a recompensa para os bons era o paraíso, a "melhor existência", e para os maus, o inferno, uma "existência infernal". A morte seria uma construção da condição humana, fruto da escolha pelo Mal. O Mal é o império de Arimã sobre a consciência das pessoas, e seria preciso renunciar a ele e seguir o caminho de Ormuz, da plenitude (representada pelo fogo) para alcançar a vida eterna. A "morte", então, é a fragmentação necessária para a verdadeira vida.
Este mundo terminará um dia: o Ahura Mazda deveria enviar um "messias", o Saoshyant, uma espécie de anjo que nasceria de uma virgem e seria anunciado por uma estrela. Este enviado guiaria os homens no caminho de Ormuz até o fim, a ressurreição dos mortos (e o fim de Arimã). O Saoshyant seria animado pelo Spenta Manyu, algo semelhante ao Espírito Santo cristão.
O mazdeísmo (também chamado de zoroastrismo) era a religião dos persas, e quando Ciro invadiu o império babilônico (539 a.C.), os judeus o tomaram por libertador: o deus dos persas "correspondia" ao deus dos judeus (livro do profeta Isaías). Ciro reconstruiu o Templo de Jerusalém, que havia sido destruído pelos babilônios em 586 a.C. e formou-se uma espécie de aliança entre persas e judeus, originando as seitas judaicas da região do Mar Morto, donde infere-se que, em certo momento, muito antes dos Judeus por Jesus reverenciados por meu amigo Miguelito, existiram judeus que acreditaram na vinda do messias, mas conforme a visão mazdeísta de que este seria um anjo. Por isso os chamados "manuscritos do Mar Morto" são considerados por alguns pesquisadores como o "elo perdido" entre o judaísmo e o cristianismo.
Bem, apesar desta historinha, apesar de a religião cristã congregar aspectos do mazdeísmo, do judaísmo e até de seitas pagãs e gnósticas - apesar da escolha da data de 25 de dezembro para o nascimento do messias e do pinheiro como a árvore-símbolo provavelmente serem provenientes da crença dos Mistérios de Mitra, difundida durante o Império Romano; apesar de muitos compararem a assunção de Nossa Senhora ao mito de Diana de Éfeso e associarem Cosme e Damião a Castor e Pólux - apesar de tudo isso e mais um pouco, eu tenho fé. E Natal, para mim, muito mais do que peru e rabanada, presentes, tradição, família, antecedentes históricos, evangelhos apócrifos e tal, é isso: FÉ.
****
Confirmando a sandice: essa história toda me veio à cabeça quando, em um momento automático de leitura do jornal (boa desculpa), li meu horóscopo deste mágico dia 24 de dezembro: "O Sol está entrando em sua 8ª casa, que simboliza a morte e também a eternidade, os mistérios, o fim para um novo começo, o sexo e as forças vitais que habitam o interior da matéria, pois é na matéria que estão ocultos todos os mistérios". Se você for geminiano, junte-se a mim e cantemos aos sátiros e brindemos às entidades da Floresta da Tijuca.
quarta-feira, dezembro 17, 2003
Mais do mesmo
Ela virou odontopediatra e resolveu estudar cinema. Não quer ter filhos, mas um dia, quem sabe, vai casar. Continua porra-louca, graças a Deus. Ele é cineasta, vive duro, já fez uns vinte curtas, viajou para a Europa e espera ganhar algum prêmio bacana. Ela é socióloga, está terminando o mestrado em antropologia, casou há três anos; o outro também é quase mestre em veterinária; aquela é administradora, trabalha numa grande empresa, namora firme. O baixinho enfezado, agora publicitário, está mais fortinho e gente boa do que nunca. Já o cabeludo heavy metal mostra hoje um estilo playboyzinho, óculos escuros na cabeça, tênis cool de professor de lambaeróbica, body combat e afins. A musa continua deslumbrante, cor de Camila Pitanga, charmosa, inteligente e muito, muito simpática. Modelo e jornalista, mora no México e namora um fotógrafo argentino. Coisa de filme. O mascote virou um homão, barba mal-feita, enorme e trabalhador, mas com um quê de moleque naquele boné para trás. O CDF continua sério e educado, um amor de pessoa, advogado numa firma de consultoria, namorando certinho. Futuro presidente.
E todos nos perguntamos o que ainda seremos. Estamos começando, mas às vezes parecemos velhos. Cansados, ranzinzas, calados, repletos de objetivos, exalamos aquele odor ocre da ambição desvairada. Temos pressa de viver logo, conseguir o Emprego Perfeito, casar com a Alma Gêmea, combater o Bom Combate. Havemos de ser felizes, irrepreensivelmente felizes.
Enquanto nossas vidas escorrem pelo canto da boca, pelos vãos entre os dedos, que guardam apenas o que nos parece grande e importante demais, deixamos de nos reunir para celebrar e relembrar, conversar sobre o nada, o clima, o futuro, os anjos. Nossas infâncias servem para nostalgias vazias, jamais para lições. Guardamos o sabor do pirocóptero, da bala soft, do novo LP da Legião. Mas, ao contrário de anos atrás, quando um simples big bol continha o gosto da felicidade no clímax do chiclete escondido numa bolota de açúcar e anilina, quando um insalubre saquinho de plástico trazia o sabor supremo e pastoso do doce de leite chupa-chups, hoje depositamos a alegria em fichas erradas, esperamos muito e acreditamos pouco, queremos uma vida mais doce que as moedinhas e cigarros de chocolate. E por isso mesmo estamos sempre fantasiando que antes era melhor, hoje em dia as coisas estão difíceis, mas o futuro, esse eterno aliado, nos aguarda com um pote de ouro no fim do arco-íris.
Sentada ali, na boa e velha Cobal do Humaitá, eu me sentia uma relíquia aos 25. E imaginava onde estaríamos daqui a cinco anos, todos nós, da odontopediatra-cineasta ao advogado precocemente calvo, da antropóloga à modelo mais inteligente que conheço. Estaremos ali, na mesma Cobal, rindo do passado, "quando a vida era fácil"; estaremos felizes conosco, com nossas vidas como são, com nossas linhas de expressão, dificuldades, taletos enjeitados e coleções de pequenas amarguras.
Ou estaremos, ainda, buscando a felicidade no velho gosto dos guarda-chuvas de chocolate, jogando Atari na Casa da Matriz, especulando o porquê do Kri ter se transformado em Crunch, pensando que o Renato Russo é insubstituível e torcendo para que, daqui a cinco anos, tenhamos realizado todos os nossos objetivos, mas que tragamos guardados na manga fragmentos de ambições suficientes para nos arrastarmos por mais algumas décadas de nostalgia regada a coca-cola.
Ela virou odontopediatra e resolveu estudar cinema. Não quer ter filhos, mas um dia, quem sabe, vai casar. Continua porra-louca, graças a Deus. Ele é cineasta, vive duro, já fez uns vinte curtas, viajou para a Europa e espera ganhar algum prêmio bacana. Ela é socióloga, está terminando o mestrado em antropologia, casou há três anos; o outro também é quase mestre em veterinária; aquela é administradora, trabalha numa grande empresa, namora firme. O baixinho enfezado, agora publicitário, está mais fortinho e gente boa do que nunca. Já o cabeludo heavy metal mostra hoje um estilo playboyzinho, óculos escuros na cabeça, tênis cool de professor de lambaeróbica, body combat e afins. A musa continua deslumbrante, cor de Camila Pitanga, charmosa, inteligente e muito, muito simpática. Modelo e jornalista, mora no México e namora um fotógrafo argentino. Coisa de filme. O mascote virou um homão, barba mal-feita, enorme e trabalhador, mas com um quê de moleque naquele boné para trás. O CDF continua sério e educado, um amor de pessoa, advogado numa firma de consultoria, namorando certinho. Futuro presidente.
E todos nos perguntamos o que ainda seremos. Estamos começando, mas às vezes parecemos velhos. Cansados, ranzinzas, calados, repletos de objetivos, exalamos aquele odor ocre da ambição desvairada. Temos pressa de viver logo, conseguir o Emprego Perfeito, casar com a Alma Gêmea, combater o Bom Combate. Havemos de ser felizes, irrepreensivelmente felizes.
Enquanto nossas vidas escorrem pelo canto da boca, pelos vãos entre os dedos, que guardam apenas o que nos parece grande e importante demais, deixamos de nos reunir para celebrar e relembrar, conversar sobre o nada, o clima, o futuro, os anjos. Nossas infâncias servem para nostalgias vazias, jamais para lições. Guardamos o sabor do pirocóptero, da bala soft, do novo LP da Legião. Mas, ao contrário de anos atrás, quando um simples big bol continha o gosto da felicidade no clímax do chiclete escondido numa bolota de açúcar e anilina, quando um insalubre saquinho de plástico trazia o sabor supremo e pastoso do doce de leite chupa-chups, hoje depositamos a alegria em fichas erradas, esperamos muito e acreditamos pouco, queremos uma vida mais doce que as moedinhas e cigarros de chocolate. E por isso mesmo estamos sempre fantasiando que antes era melhor, hoje em dia as coisas estão difíceis, mas o futuro, esse eterno aliado, nos aguarda com um pote de ouro no fim do arco-íris.
Sentada ali, na boa e velha Cobal do Humaitá, eu me sentia uma relíquia aos 25. E imaginava onde estaríamos daqui a cinco anos, todos nós, da odontopediatra-cineasta ao advogado precocemente calvo, da antropóloga à modelo mais inteligente que conheço. Estaremos ali, na mesma Cobal, rindo do passado, "quando a vida era fácil"; estaremos felizes conosco, com nossas vidas como são, com nossas linhas de expressão, dificuldades, taletos enjeitados e coleções de pequenas amarguras.
Ou estaremos, ainda, buscando a felicidade no velho gosto dos guarda-chuvas de chocolate, jogando Atari na Casa da Matriz, especulando o porquê do Kri ter se transformado em Crunch, pensando que o Renato Russo é insubstituível e torcendo para que, daqui a cinco anos, tenhamos realizado todos os nossos objetivos, mas que tragamos guardados na manga fragmentos de ambições suficientes para nos arrastarmos por mais algumas décadas de nostalgia regada a coca-cola.